CES de Sousa Santos está no top dos mais financiados pela FCT

‘Se analisarmos bem a agenda do CES, encontramos sempre os mesmos temas e as mesmas personalidades. Isso, sim, cheira a bafio’, declara um professor da Universidade de Coimbra.

A Iniciativa Liberal (IL), há uma semana, questionou a legitimidade do financiamento público atribuído ao Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, que era liderado por Boaventura Sousa Santos até ao seu envolvimento no escândalo de assédio sexual – que veio a público após a obra Sexual Misconduct in Academia (‘Má Conduta Sexual na Academia’, em português) ter sido lançada em março, no Reino Unido, pela prestigiada editora académica Routledge. O escândalo tem dado que falar nas últimas semanas, sendo que Carlos Guimarães Pinto, antigo presidente dos liberais, disse que esta verba se trata de «mais do triplo» do que recebe, a título de exemplo, o Instituto de Oncologia do Porto.

«O CES teve acesso a um financiamento total da FCT [Fundação para a Ciência e a Tecnologia] de 3,6 milhões de euros entre 2020 e 2023, muito mais do que qualquer outro centro de investigação em ciências sociais neste país», indicou o Guimarães Pinto no Parlamento, tendo avançado que o CES recebeu «mais, sozinho», em «financiamento base, do que os Centros de Investigação em Economia das Faculdades de Economia do Porto, da Universidade Nova e da Universidade do Minho».

Mas podemos fazer uma comparação igualamente arrasadora. Quando olhamos para a tabela de 13 páginas, disponibilizada pela FCT, onde constam as 348 unidades de I&D que receberam apoios, após resultados das reclamações, e analisamos o financiamento total final para o período compreendido entre os anos de 2020 e 2023, compreendemos que o CES é a 13.ª unidade com maior financiamento. 

À sua frente encontram-se apenas o Centro de Química Estrutural do Instituto Superior Técnico com aproximadamente 4.2M, o Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade de Coimbra com quase 4.6M, o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto com perto de 9M, o Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia da Universidade de Coimbra com aproximadamente 5.4M, o Instituto Gulbenkian de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian com quase 4M, o Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa com quase 4.5M, o Laboratório Associado para a Química Verde – Tecnologias e Processos Limpos com 7.9M, o Instituto de Telecomunicações com 4.7M, o Instituto de Materiais de Aveiro com quase 4.4M, o INESC TEC com perto de 5.4M, o Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica com 5.9M e a Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva com quase 5M.

As críticas de Guimarães Pinto mereceram imediata resposta por parte de deputados das bancadas mais à esquerda do hemiciclo. A deputada do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua, acusou Guimarães Pinto de querer «acabar com a avaliação independente dos centros de investigação». Rui Tavares, do Livre, criticou a IL por «atacar a liberdade de pensar, ensinar e investigar». Por outro lado, o deputado do PS Tiago Estevão Martins considerou a intervenção da IL «inqualificável e inarrável». «Um cheiro a bafio que não se admite nesta casa», declarou, acusando a IL de querer «escolher os centros de investigação para onde vai o dinheiro». 

Estas afirmações surgiram porque, na sua intervenção, Guimarães Pinto frisou que os temas abordados pelo CES «são sempre os mesmos: anti-capitalismo, contra as democracias liberais ocidentais e a instigação de uma agenda sectária intolerante, assente no conflito permanente», tendo dito que o  «CES não é um centro de investigação científica, é um viveiro intelectual da esquerda mais radical».

Apesar de ter sido criticado pela tomada de posição, as duas fontes da Academia ouvidas pelo Nascer do SOL vão ao encontro da sua perspetiva. «Não sei se iria tão longe e diria que o CES é ‘um viveiro intelectual da esquerda mais radical’, mas da esquerda é, sem dúvida. Se analisarmos bem a agenda do CES, encontramos sempre os mesmos temas e as mesmas personalidades. Isso, sim, ‘cheira a bafio’. Por exemplo, em maio do ano passado, houve a apresentação do livro ‘O Neoliberalismo não é um slogan’ de João Rodrigues na Livraria Almedina do Estádio Cidade de Coimbra e claro que estava na agenda», sublinha o professor da Universidade de Coimbra que não se quis identificar por temer represálias.

«Longe de uma interpretação pessimista sobre os desafios vividos pelas esquerdas e as suas divergências internas face ao capitalismo, a reflexão de Boaventura de Sousa Santos, ao analisar os casos de Portugal, Espanha, Brasil, México e Colômbia, vai no sentido de propor como alternativa à fragmentarização das esquerdas a construção de aprendizagens globais que considerem os contextos e as necessidades específicas de cada país. A partir do aumento do interconhecimento entre as forças de esquerda, Boaventura sugere simultaneamente novas alternativas de união, tanto a nível nacional como internacional» é a sinopse do livro Esquerdas do Mundo, Uni-vos, que foi apresentado em vários locais, no decorrer do ano de 2019, e o CES teve-os a todos na agenda. «Porque o autor é Boaventura Sousa Santos e porque quem escreveu o prefácio foi Francisco Louçã?», questiona a mesma fonte. «E temos outros exemplos tão claros como a apresentação de A Financeirização do Capitalismo em Portugal de João Rodrigues, Ana Cordeiro Santos e Nuno Teles, se recuarmos até 2016», conclui.

Por sua vez, uma investigadora de um outro centro de estudos que prefere não revelar a identidade nem a unidade que integra, deixa claro: «A FCT tem regras que são bem explícitas, mas existem amizades e compadrios. Já ando nisto há anos suficientes para saber que os centros que ganham mais financiamento nem sempre são aqueles que mais o merecem. Por vezes, são: noutras… Enfim». E lamenta que a suposta realidade não seja aquela que devia existir «Queria viver num país mais justo em que se fizesse Ciência verdadeiramente e não qualquer coisa parecida com ela baseada em relações de poder e proximidade».