O trambolhão

A autoridade de António Costa caiu na rua. Tudo começou no modo frouxo como reagiu ao vexame público a que o sujeitou Pedro Nuno Santos, quando anunciou o local do novo aeroporto sem lhe dar cavaco. Desde aí, tudo tem corrido mal. São casos atrás de casos, demissões no Governo, contradições entre ministros, declarações falsas.

Os mais novos já não se lembram, mas o episódio teve grande repercussão na época.

Em 1980, nas vésperas de eleições presidenciais, o então líder do PS, Mário Soares, entrou em choque com a direção do seu próprio partido, que tinha apoiado a recandidatura de Ramalho Eanes, e retirou pessoalmente o apoio ao general.

A notícia caiu como uma bomba no país.

Soares suspendeu o seu mandato como secretário-geral do PS, e este dividiu-se: houve quem ficasse ao seu lado e quem mantivesse o apoio a Eanes.

Entre estes, contavam-se Salgado Zenha, António Guterres, Jorge Sampaio e outros ilustres socialistas, que formavam um grupo que ficaria conhecido como o ‘Ex-Secretariado’.

Depois disto, o PS levaria muito tempo a recompor-se.

Verdadeiramente, só quinze anos depois, após a saída de Cavaco Silva de primeiro-ministro, o Partido Socialista voltaria a levantar a cabeça.

O  fantasma desse acontecimento volta, agora, a pairar sobre o PS.

O conflito entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa recorda inevitavelmente a rutura entre Mário Soares e Eanes.

Também agora o partido se dividiu.

Não tanto porque haja muitos socialistas a apoiar Marcelo, mas sobretudo pelo receio das consequências que este confronto poderá vir a ter.

Com o Governo em desgaste, e em guerra com o Presidente da República, que resultado esperará o PS nas próximas eleições legislativas?

Em toda a Europa temos assistido a grandes mudanças políticas.

Os socialistas olham lá para fora e veem o exemplo do PS francês, que em meia dúzia de anos passou de maioritário a irrelevante.

Ora, não é impossível que ao PS venha a acontecer o mesmo.

A política portuguesa atravessa um momento de inegável incerteza.

Quem esperava, por exemplo, o crescimento que tem tido o Chega, ou a maioria absoluta do PS nas últimas eleições?

Ninguém.

Mas, assim como há um ano e meio o Partido Socialista protagonizou uma surpresa ‘para cima’, num futuro próximo pode ter um resultado surpreendente  ‘para baixo’.

De repente, o PS pode dar um gigantesco trambolhão.

O partido festeja 50 anos, e estes momentos coincidem por vezes com grandes mudanças.

Até porque muitos dos que votaram nele nas últimas legislativas sentir-se-ão hoje provavelmente desiludidos.

O PS está a trair a esperança de centenas de milhares de eleitores.

E essa desilusão, esse desencanto, pode levar a uma mudança radical no sentido de voto.

Não tenho dúvidas de que no seio do Partido Socialista reina hoje enorme preocupação.

Ainda há um ano, António Costa era visto como insubstituível e ninguém ousava levantar um dedo contra ele.

Seria um suicídio político.

Hoje, porém, parece que já ninguém o teme.

Todos criticam abertamente as suas opções: Carlos César, Vitalino Canas, Sérgio Sousa Pinto, Álvaro Beleza, Vieira da Silva, João Soares, António José Seguro, etc.

E fala-se à boca cheia na sua sucessão.

A autoridade de António Costa caiu na rua.

Tudo começou no modo frouxo como reagiu ao vexame público a que o sujeitou Pedro Nuno Santos, quando anunciou o local do novo aeroporto sem lhe dar cavaco.

Desde aí, tudo tem corrido mal.

São casos atrás de casos, demissões no Governo, contradições entre ministros, declarações falsas.

Costa parece não saber para que lado se há de voltar, e dá explicações sem nexo.

Alegou questões de «consciência» para não demitir Galamba, que tinha mentido descaradamente sobre as trapalhadas na TAP e em cujo Ministério se haviam passado inacreditáveis coboiadas; mas onde estava essa consciência quando demitiu João Soares por causa de uma frase anódina publicada no Twitter?

Para já não falar no modo como roubou o poder a António José Seguro.

Se o PS já estava dividido internamente antes deste episódio, com os apoiantes de Pedro Nuno Santos a organizarem-se para um futuro combate, mais dividido ficou depois dele.

A questão para os críticos de António Costa não se chama Galamba nem Marcelo Rebelo de Sousa – é o receio de que, empenhado numa fuga para a frente, o líder possa estar a conduzir o PS para um abismo.

Se essa ideia se instalar, se o medo de um trambolhão eleitoral se apossar de muitos militantes, António Costa deixará de ser visto como parte do solução e passará a ser olhado como parte do problema.

E esse momento pode não estar tão longe como se pensa.

A contagem decrescente já começou.