Sinais contraditórios numa economia débil

Anunciar o fim dos vistos gold, sem que antes haja o devido cuidado para não ‘espantar investidores’, é contraditório com uma real preocupação com o crescimento económico.

O Governo anunciou, com a pompa política como habitual, o final dos vistos gold.

Uma medida de ponderação num programa desta natureza, que introduza decência na captação de investidores externos é positiva, até pelos efeitos adversos que se sentem no mercado de habitação.

Todavia, fazê-lo sem perceber os sinais contraditórios que se dão aos investidores, não apenas do imobiliário, é contraproducente.

Portugal, sabe-se, precisa de investimento externo como de pão para a boca. Sem o mesmo não é possível aumentar o produto interno bruto, nem o salário médio – cada vez mais próximo do salário mínimo. Sem salários decentes não haverá captação ou retenção dos talentos que criam riqueza, isto é, não quebramos a espiral negativa em que caímos e da qual parece não sermos capazes de sair.

Tudo isto é conhecido e reconhecido. Esta semana o ministro da Economia e do Mar afirmou, na Assembleia da República, que «se tivermos salários baixos, a economia nunca se vai desenvolver». Se assim é, importa que a captação do investimento e dos grandes investidores tenha outro cuidado por parte de quem governa o país.

Anunciar o fim dos vistos gold, sem que antes haja o devido cuidado para não ‘espantar investidores’, é contraditório com uma real preocupação com o crescimento económico. Assim, voltamos à eterna questão da articulação interministerial no Governo, que vem causando sério engulhos ao interesse nacional.

Aliás, a própria orgânica do Governo foi construída de modo desarticulado. Na orgânica governamental, a diplomacia económica, que deveria sempre passar pelo Ministério da Economia, está totalmente na tutela de um Ministério dos Negócios Estrangeiros sem formação ou vocação para tal.

Esta orgânica, que politicamente se compreende, num quadro de esvaziamento dos negócios estrangeiros provocada pela saída da Secretaria de Estado dos assuntos europeus para tutela do primeiro-ministro, torna ronceira uma dimensão da ação externa que, por natureza, exige flexibilidade – dificultando-se, consequentemente, a ligação entre política económica e diplomacia económica.

Fora do circuito interno, as notícias do fim deste programa causaram forte impacto em potenciais investidores, que ficaram ainda mais descrentes de um país que tem tudo para ser interessante, mas que teima em não estar à altura do seu potencial.

O chefe de Governo tem experiência, mais do que suficiente, para saber que, quando se legisla, deve levar-se em consideração os efeitos da legislação. Bem como, quando se anunciam medidas, as embaixadas estrangeiras fazem as suas leituras e reportam sobre os mesmos.

Não sabemos se, no Governo, há sensibilidade ou espaço de recuo para moderar, com pragmatismo e realismo, as reformas que se pretendem aprovar, com vista a que as mesmas cumpram os objetivos que se anunciam.

O crescimento económico atual, bem como as perspetivas nos próximos anos, não são suficientes para gerar o aumento do ordenado médio, conforme enunciado pelo primeiro-ministro (e pelo ministro da Economia).

Importa saber se o desenvolvimento da economia portuguesa, e o aumento do ordenado, é um objetivo real, ou apenas um desejo. Das palavras aos atos, vai a distância um mundo. É esse mundo que tem faltado a Portugal e que, por este andar, vai continuar a faltar.