O que é o homem?

O homem vive a vida mais morto do que os mortos e não se achando ninguém que procure a essência de si mesmo…

Conta a história que Diógenes, aluno de Antístenes que fundou a escola cínica, no século V a.C., passava o dia no meio dos seus contemporâneos com uma lanterna acesa. Apesar da luz do dia, Diógenes acendia a sua lanterna e dizia: «Procuro um homem».

O filósofo procurava, então, um homem que vivesse segundo a sua essência, um homem que tivesse encontrado a sua verdadeira natureza, vivendo em conformidade com a mesma e tivesse encontrado a felicidade. No fundo, Diógenes procuravam o Homem, que viva segundo a sua condição. 

Quando em 1967 o Papa Paulo VI visitou Fátima deixou-nos um desafio: «Homens, sede homens». Era uma interpelação a que os homens procurassem o significado da palavra homem para viverem em conformidade. Não era apenas procurar o significado semântico da palavra, mas acima de tudo, procurar o significado da sua própria natureza, da sua própria essência. 

Era, então, uma exortação não apenas aos portugueses, mas a toda a humanidade: «Homens, sede homens. Homens, sede bons, sede cordatos, abri-vos à consideração do bem total do mundo. Homens, sede magnânimos. Homens, procurai ver o vosso prestígio e o vosso interesse não como contrários ao prestígio e ao interesse dos outros, mas como solidários com eles. Homens, não penseis em projetos de destruição e de morte, de revolução e de violência; pensai em projetos de conforto comum e de colaboração solidária». 

Fernando Pessoa, o poeta, escreveu um dia: «Triste de quem vive em casa,/ Contente com o seu lar,/ Sem que um sonho, no erguer de asa,/ Faça até mais rubra a brasa/ Da lareira a abandonar».

«Depois apresenta ainda a triste vida de muitos homens: Triste de quem é feliz!/ Vive porque a vida dura./ Nada na alma lhe diz/ Mais que a lição da raiz -/ Ter por vida a sepultura».

O homem que vive porque a vida dura, como diz o poeta, é aquele o povo diz que «anda no mundo por ver andar os outros». É aquele que não conseguindo encontrar-se como homem, deambula pelas ruas à espera que apareça um homem com a capacidade de dar uma luz à sua essência. 

Pilatos, sem saber, ao apresentar Jesus à multidão, profetizava: «Ecce Homo» (Eis o homem!). Esta é a impressionante profecia que arquitetou uma compreensão do homem capaz de o libertar de si mesmo e das suas limitações afetivas. O homem aparece coberto de chagas, vítima de uma violência atroz, coberto de sangue, mas habitado de uma paz imensa. 

É aqui que hoje Diógenes grita nas ruas das nossas cidades e aldeias, com uma lâmpada acesa em plena luz do dia, como se de trevas se tratasse: «Procuro um homem». E Pilatos responde: «Eis o homem». Paulo VI exorta «homens, sede homens». Pessoa não se inibe de dizer: triste é aquele que tem «por vida a sepultura». 

O homem vive a vida mais morto do que os mortos e não se achando ninguém que procure a essência de si mesmo. Se não houver quem procure a essência do próprio homem nunca se conseguirá encontrar a feliz vida de quem vive agarrado aos seus pensamentos como se de uma vida fosse. 

Este é o maravilhoso contributo que o cristianismo poderá dar aos homens do mundo de homem: acendendo uma lanterna, procurar iluminar o homem a encontrar-se consigo mesmo. Penso que o que oprime o homem não é tanto as cadeias injustas que nos oprimem no mundo ou o desacerto da nossa biologia com os nossos sentimentos, mas apenas e só um desencontro com o fundo mais fundo de nós próprios.