Depois do deplorável temos o irresponsável!

A ideia de que ‘a Liberdade deve ser livre’ não é uma tautologia nem um lugar comum, pois é fácil perceber que podemos ter a ‘boca cheia’ do conceito (cumprir Abril, dizem pateticamente alguns), como podemos ter normas constitucionais e legais que a consagrem, mas nunca teremos verdadeira liberdade, se não usufruirmos de políticas sociais…

A Liberdade deve ser livre» é uma das afirmações de Rodrigues Sampaio, político e jornalista do século XIX, que foi o fundador do jornal O Portuguez e se destacou na crítica à monarquia cartista e na defesa dos ideais republicanos e democráticos.

A ideia de que ‘a Liberdade deve ser livre’ não é uma tautologia nem um lugar comum, pois é fácil perceber que podemos ter a ‘boca cheia’ do conceito (cumprir Abril, dizem pateticamente alguns), como podemos ter normas constitucionais e legais que a consagrem, mas nunca teremos verdadeira liberdade, se não usufruirmos de políticas sociais (educação, habitação, justiça, segurança social e saúde) que lhe deem conteúdo e utilidade.

Vivemos um período particularmente estranho na nossa vida coletiva!

É hoje consensual que a economia do país conseguiu aguentar e resistir aos condicionalismos externos a que foi sujeita e, sobretudo, aos erros dos governantes dos últimos oito anos.

Erros esses foram, inicialmente, consequência de uma ‘geringonça’ irracional e predadora dos recursos nacionais e das ajudas externas, e, mais recentemente, o resultado de uma irresponsável e deplorável gestão pública.

 

Os dados económicos já conhecidos relativamente ao primeiro trimestre deste ano e as previsões da Primavera, apresentadas recentemente pela Comissão Europeia para os próximos três anos, reforçam essa evidência.

De resto, o Governo obedecendo a uma estranha e insistente agenda não se tem cansado de formatar a opinião pública e publicada com esses êxitos estatísticos

É verdade que, como já escrevia Eça de Queirós «sobre a nudez crua da verdade (existe sempre) o manto diáfano da fantasia».

Deve ser por isso que os governantes nada informam sobre o volume crescente de jovens que abandonam o país, à procura de condições que não têm em Portugal, sobre a evolução dos salário médio líquido no último ano (apenas um euro de crescimento), sobre o alastramento da precariedade e do próprio desemprego (mais 23% de desempregados no primeiro trimestre deste ano) enfim, sobre a pressão da oferta de emprego que só existe nos setores de baixa qualificação profissional.

 

E também não esclarecem se os ‘sucessos’ estatísticos publicitados se traduzirão numa efetiva convergência da economia portuguesa com as economias concorrentes na UE, se os rendimentos líquidos dos portugueses crescem em valor real, se a pressão fiscal deixa de asfixiar a classe média e as empresas, se a prestação dos serviços públicos melhora significativamente e se Portugal, à boleia desses ‘sucessos’, se torna num país melhor para as futuras gerações e independente das ajudas externas.

Não deixa de ser preocupante que, coincidindo com a divulgação das ‘boas novas’, o Sr. Presidente da República, em visita recente ao Banco Alimentar, tenha mostrado preocupação pelo crescimento progressivo da taxa de pobreza e pelo aumento do assistencialismo que ainda a torna socialmente controlável e se tenha interrogado sobre quando chegará às pessoas o sucesso das estatísticas e das previsões!

E é neste ponto que entra a questão formal da Liberdade (o cumprir Abril) pois não existem cidadãos totalmente livres quando crescem enormes bolsas de pobreza e se confirma o incumprimento reiterado das necessidades básicas.

 

A ‘Liberdade que deve ser livre’ não é compatível com o funcionamento atual do «serviço nacional de saúde universal e tendencialmente gratuito» que transfere cada vez mais cidadãos para os seguros de saúde e para as instituições privadas, com a deterioração da escola pública que condena ao sucesso relativo uma geração inteira, ou quando os jovens não tem garantias que a segurança social assegurará as suas pensões no fim da vida.

Pois bem, tudo isto é a consequência esperada e lógica de uma economia que, desde 2015, não foi sujeita a qualquer processo de reforma e, por isso, se encontra prisioneira de uma estrutura extremamente frágil, com um valor acrescentado das exportações muito fraco e que só sobrevive enquanto o país for a ‘moda do turismo’ e as ajudas europeias se mantiveram no elevado nível atual.

Até ao presente o turismo não tem faltado (falta calcular a que custos de perda de identidade!) e os fundos europeus tem-se, por enquanto, multiplicado e só isso justifica o sucesso anunciado. Desde 1986 até 2020, recebemos 121 mil milhões de euros de ajudas.

Mas com a dimensão atual dos fundos europeus destinados a Portugal, (PRR) Cavaco Silva lembrava recentemente, que as políticas públicas tem de assegurar um crescimento anual constante e sustentado de 3 a 4% do PIB nacional.

Infelizmente, nem nas previsões laudatórias (o manto diáfano da fantasia!) se consegue estar próximo deste objetivo (a nudez crua da verdade!) o que significa que o país não consegue aproveitar o seu potencial de crescimento.

 

Tem plena razão o António José Seguro, anterior líder do PS, quando afirma que se sente perplexo com a situação do país e que «os portugueses merecem melhor».

É verdade que António Costa também declarou há duas semanas que os últimos acontecimentos políticos configuram uma situação deplorável.

Repetiu o conceito mais de uma dezena de vezes mas não foi capaz de retirar nenhuma consequência dessa surpreendente apreciação que, assim, de deplorável passou também a ser irresponsável.

Nas próximas semanas não faltarão, infelizmente, oportunidades para que o primeiro-ministro possa reforçar o seu juízo e corrigir o vazio da sua análise. Terá coragem e idoneidade política para o fazer?