Um destes dias, num restaurante do Alentejo, o proprietário quedou-se um pouco à conversa comigo, pedindo desculpa pelo tempo de espera – que, de facto, fora excessivo – e justificou-o com a falta de pessoal. «Não consigo arranjar pessoas para trabalhar. Na hotelaria e na restauração todos estamos com este problema».
Não era a primeira vez que eu ouvia esta queixa. Tinha-a escutado recentemente num hotel, exatamente nos mesmos termos. E sabia que a Pousada de Santa Isabel, em Estremoz, esteve muito tempo fechada, depois do fim da pandemia, por falta de pessoal. E hoje o restaurante continua sem funcionar pelo mesmo motivo.
Mas não só na hoteleira e na restauração se vive este drama. Precisando de um toldo, liguei para uma fábrica em Évora; ora, ao fim de dois minutos de conversa, o gerente estava a fazer-me exatamente a mesma queixa: «Não se arranjam costureiras…». E o carpinteiro onde encomendei uma cama não consegue cumprir os prazos pois não arranja um ajudante. E não se encontra gente para fazer trabalhos no campo. No entanto, há milhares de pessoas no Alentejo a viver de subsídios. Garantem-me que, só em Elvas, há 5 300 pessoas nessa situação.
Recordo um debate entre Cavaco Silva e António Guterres, há muitos anos, quando o primeiro era chefe do Governo e o segundo liderava a oposição, em que este falou pela primeira vez de um rendimento mínimo pago pelo Estado a quem não tivesse outros meios de subsistência.
Aparentemente, a medida era justa. Todos precisam de um mínimo para viver, e quando por qualquer razão não o conseguem o Estado deve estar lá para o garantir.
Mas notei em Cavaco um sobressalto; e depois disse com ar grave: «Não faça isso! Não pague às pessoas para não trabalharem».
Hoje, é possível ver até que ponto ele tinha razão.
Portugal enfrenta agora um problema delicadíssimo: as pessoas qualificadas emigram, porque no estrangeiro vão ganhar o triplo ou o quádruplo, e as menos qualificadas, em vez de trabalharem, preferem ficar em casa a receber subsídios.
O namorado de uma minha antiga secretária recusava-se a procurar emprego porque o Rendimento Social de Inserção lhe dava muito bem para viver. E sei de jornalistas que se despediram porque deixavam de gastar dinheiro em transportes e refeições, acabando por viver melhor com o subsídio de desemprego.
Sei de uma mulher que se despediu dizendo ao patrão que lhe bastava ter mais um filho para não precisar de fazer nada, pois o respetivo abono, a somar ao que já recebia, dava-lhe para viver bem.
Note-se que o RSI é complementado com descontos na farmácia, na renda da casa, etc., ultrapassando com frequência o salário mínimo nacional. Então, trabalhar para quê?
Quando falamos desta questão a um governante, ele responde-nos com a imigração. A imigração resolverá os problemas de falta de natalidade e de mão-de-obra. Mas será essa a solução? Queremos substituir a população? E daí não decorrerão problemas sociais graves? E será muito moral vermos na construção civil só africanos, a carregar tábuas e baldes de cimento, e nos cafés e restaurantes só empregados brasileiros, enquanto os portugueses estão confortavelmente em casa a receber subsídios?
Mas, mesmo com os imigrantes, já há hoje problemas, e no futuro será muito pior. Porque muitos entram no país sem contrato de trabalho, ficando meses a viver à custa da Segurança Social. E dentro de algum tempo também resistirão a trabalhar, pois, vendo o exemplo dos portugueses, não quererão fazer o papel de bombos da festa. Como dizia uma imigrante empregada de limpeza, «trabalhar dá muito trabalho».
Esta sociedade está cheia de vícios, porque se afastou do real. É errado pagar-se a pessoas que não trabalham. No limite, ninguém devia receber dinheiro do Estado sem dar algum trabalho em troca. Todos os que recebem dinheiros públicos, mesmo os desempregados, deveriam dar um contributo à comunidade, desempenhando tarefas que estivessem dentro das suas competências e possibilidades.
Ninguém deveria ser obrigado a trabalhar. Mas quem quisesse receber não devia poder ficar em casa de perna traçada.
O Rendimento Social de Inserção foi criado com ótimas intenções – mas alimenta e estimula o ócio.
Este modelo que construímos não é económica nem socialmente sustentável. Talvez os países ricos consigam viver assim, mas Portugal, na fase em que se encontra, não vai conseguir. Já só aguentamos isto à custa de dinheiros vindos de fora, e mesmo assim não crescemos quase nada.
Criou-se um círculo vicioso: como o Estado tem muitos encargos sociais, tem de cobrar muitos impostos; e com a economia asfixiada por impostos, o crescimento é anémico; e como não crescemos, os salários são baixos; e como os salários são baixos, as pessoas não querem trabalhar e preferem viver de subsídios.
Há que quebrar esta cadeia que nos puxa para baixo – e, para isso, temos de nos reaproximar da realidade. Os subsídios, os serviços gratuitos, tudo o que contribui para a ideia de que é possível viver sem trabalhar, é deseducativo, cria vícios. Até porque, como sabemos, existe uma coisa que se chama ‘inércia’. Quanto menos uma pessoa faz, menos vontade tem de fazer.