“Crianças Exemplares”

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,

Celebrámos ontem o Dia da Criança. Esta data assinalou-se pela primeira vez em 1950, imagina. Uma iniciativa das Nações Unidas, com o objetivo de chamar a atenção para os problemas que as crianças então enfrentavam.
Desde lá os direitos da criança têm evoluído imenso. 
Nas nossas tertúlias, dás imensas vezes o exemplo da forma como eram tratadas as crianças nos livros da Condessa de Ségur. Nomeadamente nos livros “Os Desastres de Sofia” e “As Meninas Exemplares”. Estas obras tornaram-na mundialmente famosa e fazem parte do imaginário de várias gerações um pouco por todo o mundo. Marcaram a tua infância e a de tantas meninas.
No entanto, como costumas referir, temos que nos reportar à data em que os livros foram escritos. Na época grande parte das crianças trabalhava, muitas em trabalhos pesados. A forma como os pais, e a sociedade, tratavam as crianças nada tem a ver com os direitos que foram conquistados ao longo dos tempos. 
Não podemos falar de Direitos da Criança, em Portugal, sem falarmos do Instituto de Apoio à Criança (IAC), que este ano está a celebrar 40 anos.
Desde 1983, o IAC tem desenvolvido um conjunto de iniciativas fundamentais em prol dos direitos e defesa dos Direitos da Criança. As crianças têm direito a uma vida sem violência. O IAC apresentou, recentemente a campanha “Nem mais uma Palmada”. Um conjunto de ações com vista a sensibilizar as famílias, a sociedade e o Estado por forma a conseguirmos erradicar estas práticas nefastas e degradantes do quotidiano das nossas crianças.
Sou menino para fazer uma exposição, itinerante pelo país, sobre os 40 anos do IAC. Parece-te bem? Serás Embaixadora!
Se as personagens do livros da Condessa de Ségur: Camila, Madalena e Margarida, e a sua vizinha Sofia, que passa a vida a fazer disparates, vivessem nos dias de hoje, iriam ter uma vida completamente diferente!
Bjs

Querido neto,

Conheces tão bem esta tua avó. Nem sonhas as horas que, em criança, passei a ler os livros da Condessa de Ségur.
Mas já que o tema de hoje são as crianças, deixa-me partilhar contigo um assunto que me agrada, muito: O “JUVENIL” DO “DIÁRIO DE LISBOA”.
No dia 4 de Maio de 1957 publicava-se, pela primeira vez, um suplemento para crianças no “Diário de Lisboa”, chamado “Juvenil”. Mas, apesar do título, aqueles primeiros anos foram mesmo dedicados às crianças.
Os jovens viriam muito mais tarde.
Era dirigido por Mário Castrim, Augusto da Costa Dias, e com ilustrações de Tóssan.
Os leitores “inscreviam-se”, todos tinham um número, e eram tratados por “amigo”.
Eu tinha 15 anos nessa altura, e comecei logo a escrever para lá. Era – nunca o esqueci – “a amiga nº 963”.
Mas tardei comecei a ter textos publicados. Havia uma página de recepção aos trabalhos enviados, e os meus, coitados, levavam pela medida grande
– «Isto é muito mau», «isto é muito fraco», «isto é terrivelmente pessimista e mal escrito» – e quem escrevia isso estava cheio de razão – mas acabavam todos da mesma maneira: «lê muito e não desistas de escrever».
E eu segui os conselhos. E a coisa resultou.
Abreviando: o “Juvenil” começou a ser para jovens, muito politizados, com mais duas páginas só de noticiário – e eu passei a dirigi-lo.
E essa foi a minha verdadeira escola de jornalismo – nesse tempo em que nem se sonhava que pudessem existir escolas de jornalismo! Aprendíamos tudo com os nossos camaradas mais velhos.
E acreditem: não havia melhor escola do que essa.
Conta com a avó para essa exposição de homenagem ao IAC. Essa grande obra impulsionada pela minha amiga Manuela Eanes e que tem feito tanto pelos Direitos das Crianças ao longo destes 40 anos.
Sempre vais para a Ilha de Santa Maria este fim de semana?
Diverte-te. Conta tudo a esta tua avó que tanto te ama.
Bjs