Um escuteiro

Cada pessoa tem de esforçar-se para ter o que precisa; não pode interiorizar a ideia de que o Governo ou a Câmara têm o dever de lhe dar casa, transportes, alimentação, cuidados de saúde, etc.. Uma sociedade vivendo à custa do Estado, dependente do Estado, é tudo o que não interessa a Portugal.

Vi a horas impróprias uma entrevista de Carlos Moedas à apresentadora Tânia Ribas de Oliveira.

Julgo que o programa é transmitido à tarde e repete de madrugada.

Tenho simpatia por Carlos Moedas.

Parecendo muito mais jovem do que é, tem um ar de ‘bom rapaz’.

Ganhou a presidência da CML contra um presidente em exercício e enfrentando a poderosa máquina do PS, o que não pode deixar de ser considerado um feito.

Apresenta um notável currículo, desde secretário de Estado a comissário europeu.

Isto significa qualquer coisa.

A entrevista tinha público a assistir, quase todo de avançada idade, que absorvia embevecido cada palavra de Carlos Moedas.

E no final, levantou-se e aplaudiu-o freneticamente, enquanto Tânia Ribas de Oliveira o olhava ternamente, com uma lágrima ao canto do olho.

Moedas, sentado, de pernas unidas, sorria – com aquele sorriso do menino orgulhoso mas embaraçado que ouve rasgados elogios à sua pessoa.

Mas afinal, o que dissera ele?

Que anda pelas ruas de Lisboa e as pessoas o abordam com os seus problemas, muitas vezes pedindo uma casa – e ele vai tomando notas e já resolveu muitas situações.

O que mais o entristece é quando não consegue resolver o problema de um munícipe.

Já distribuiu mais de mil casas e espera distribuir muitas mais.

E como acha que ninguém pode pagar uma renda superior a um terço do ordenado, a CML paga o excedente.

Assim, se uma família só tiver mil euros de rendimento mensal, e a renda de casa for superior a 330, a CML paga o resto.

Além disso, falou do apoio aos idosos.  Há uma linha de saúde da Câmara que eles podem utilizar e que lhes dá direito a apoio médico e a desconto direto nas farmácias.

Também podem usar gratuitamente os transportes públicos.

Os espetadores olhavam para ele como se estivessem a ouvir um santo.

Moedas continuava a falar.

Dizia que já teve muitos cargos, muito melhor remunerados, mas este é aquele de que mais gosta, porque sente que está a resolver os problemas das pessoas.

E reiterava que está ali para servir os lisboetas.

A propósito, adiantava que na noite das marchas populares ele e o Presidente da República estariam na avenida não para receberem os aplausos dos lisboetas mas para prestarem tributo aos lisboetas.

Estes seriam os reis. O presidente da Câmara e o Presidente da República iriam à avenida curvar-se perante os cidadãos de Lisboa.

Enquanto ouvia aquele homem simpático, eu pensava: nunca discordei tanto de um político.

Carlos Moedas está nos antípodas daquilo que eu penso dever ser a ação política.

Primeiro, um presidente da Câmara não tem que andar pela rua a resolver os problemas das pessoas.

Se fosse assim, o que seria daqueles que não têm feitio para se agarrarem aos políticos e fazerem-lhes pedidos?

Ao presidente da Câmara compete ter uma visão global da cidade, melhorá-la e fazê-la crescer, e isso beneficiará todos.

Depois, discordo da ideia de que os poderes públicos, seja o Governo ou as câmaras, têm obrigação de dar tudo às pessoas.

Cada pessoa tem de esforçar-se para ter o que precisa; não pode interiorizar a ideia de que o Governo ou a Câmara têm o dever de lhe dar casa, transportes, alimentação, cuidados de saúde, etc..

Uma sociedade vivendo à custa do Estado, dependente do Estado, é tudo o que não interessa a Portugal.

Por isso, discordo em princípio dos serviços gratuitos.

Defendo o princípio do utilizador-pagador.

Nada é gratuito – e por isso Moedas não dá nada a ninguém. Não distribui dinheiro do seu bolso, nem a CML imprime notas.

Moedas dá com uma mão o que tira com a outra – em impostos, taxas, etc.

Ou seja, desvia verbas de umas rubricas para outras.

A ideia de que os governantes são uns beneméritos é profundamente enganosa.

Finalmente, discordo das políticas focadas no combate à pobreza.

As experiências que conhecemos mostram que elas conduzem ao empobrecimento.

As políticas mais bem sucedidas não são as que combatem a pobreza mas sim as que fomentam a riqueza.

Distribuir o que não há não leva a parte nenhuma; o esforço tem de ser no aumento da produção de riqueza, que acaba por beneficiar o conjunto da comunidade.

Robustece as empresas e torna-as mais competitivas, cria emprego, permite melhores salários.

Um presidente de Câmara andar pela rua a distribuir casas é tudo o que há de mais errado.

Naquela entrevista, Moedas não parecia o presidente da CML – parecia um escuteiro a falar da sua atividade.

Só faltou apresentar-se de calções, meias altas e chapéu amolgado, dizendo que também ajudava os velhotes a atravessar as ruas.

Repito: julgo que Carlos Moedas é uma boa pessoa, capaz, competente, cheio de qualidades – e o seu percurso prova-o.

Mas tem uma ideia completamente errada do exercício do poder.

Ou então, trata-se de uma encenação – e a pessoa que eu vi é uma personagem que Moedas criou para se tornar popular.