Tempo perdido

Grande parte do tempo passado pelos estudantes nas escolas é desperdiçado, pela simples razão de que este ensino não os interessa, não os motiva, não os agarra. Pior: cria-lhes aversão ao estudo.

Comecei a escrever cedo e quase sem erros de ortografia. Nunca tive dificuldade em colocar as vírgulas, os pontos, os pontos e vírgulas, os travessões. E, no entanto, um dos poucos ‘medíocres’ que tive no liceu foi numa prova de… Português. 

Porquê? Porque era um ponto (nessa altura dizia-se ‘ponto’ e não ‘teste’) de Gramática. A professora era Manuela Palma Carlos, irmã de um conhecido advogado que viria a ser o primeiro primeiro-ministro depois do 25 de Abril. Nunca fui bom a gramática, que sempre me surgiu como uma maçadoria. Nunca tive paciência para a estudar. Achava que não servia para nada. Na tal disciplina de Português, safava-me na interpretação dos textos e sobretudo na redação – pois nas perguntas de gramática geralmente não acertava. 

 

Até hoje, nunca senti a falta da gramática. Tenho milhares de artigos publicados nos jornais, e quase duas dezenas de livros editados, e ao escrevê-los senti a falta de conhecimentos em muitas matérias – mas não na gramática. Os revisores profissionais dos meus livros têm pouco trabalho, como eles próprios reconhecem: os erros ortográficos são raros, a pontuação está certa, a construção das frases idem, as palavras estão corretamente aplicadas. Pode gostar-se mais ou menos do estilo, mas essa é outra conversa. Estamos a falar de rigor.

Vem isto a propósito de um teste de Português que me chegou às mãos há uns dias. E, ao olhar para aquilo, fiquei literalmente de olhos em bico. Se os termos da sintaxe do meu tempo de liceu nunca me foram simpáticos – sujeito, predicado, complemento direto, nome predicativo do sujeito, etc. – estes pareceram-me de fugir: «holonímia», «meronímia», «modificador do nome restritivo», «adjetiva relativa explicativa», «substantiva completiva», etc. Meu Deus! 

 

Para que serve este palavreado? Ajuda a escrever melhor? Ajuda a entender melhor um texto? Não. Se já a gramática ‘antiga’ ajudava pouco, esta não ajuda nada. É lixo. Não simplifica a escrita nem a compreensão da língua – pelo contrário, complica-as. Não atrai os alunos para a escrita ou para a leitura – afugenta-os! 

Já escrevi em tempos que considero o atual ensino completamente errado. Desajustado da realidade. 60% ou 70% do que se aprende não serve para nada, e já estou a ser generoso. Entretanto, há coisas básicas que não se ensinam. Conhecimentos elementares para a compreensão do mundo ou para a integração na sociedade. É estranho ninguém ver isto – e discutir-se tão pouco este assunto.

 

A forma mais básica de comunicação entre os humanos é a expressão oral. As crianças deviam, pois, começar por aprender a falar com propriedade e rigor. Ora, basta abrir a televisão para ver como os portugueses falam mal. Mesmo os comentadores, os políticos, cometem erros básicos. Já não falo de dizerem «hão-de haver»; já não falo dos frequentíssimos «é um dos que está», em vez de «é um dos que estão»; já não falo dos constantes «aquilo que é», que até o Presidente da República já usa; falo da mais elementar falta de concordância entre o sujeito e o predicado. Ouça-se um pouco António Costa e contem-se os erros. 

O ensino da oralidade não existe.

E depois da oralidade, vem a escrita. A toda a hora estamos a precisar de escrever. Ora, nas redes sociais, é visível a ignorância da escrita. As pessoas têm muita dificuldade em se fazerem entender sempre que querem expor uma ideia um pouco mais complexa. Isto mostra que o ensino da escrita é muitíssimo deficiente. 

E depois da escrita, vem o desenho. Há coisas que não se explicam por palavras, que só se explicam através de um desenho. Quantas vezes já não vimos pessoas a tentarem fazer uns riscos no papel – e não saberem sequer pegar no lápis? Por que razão o desenho é tão desvalorizado?

E a música. Dá-se muito pouca importância à música. Ora, basta ver a afluência aos concertos para se ter uma ideia da sua força no relacionamento entre os homens. Não seria lógico ensinar os seus rudimentos nas escolas? 

Mas não. As escolas preferem ensinar chinesices, coisas que não servem para nada e que se esquecem no dia seguinte. Pior: coisas que afastam as crianças do estudo. 

Todos sabemos que aprendemos muito melhor aquilo que nos interessa, aquilo que sentimos que nos faz falta, que nos pode ser útil, do que aquilo que não nos interessa e cuja utilidade não vemos. Os meus netos sabem os nomes de imensos jogadores de futebol de diferentes equipas, mesmo estrangeiras. Porquê? Porque o tema lhes interessa. Se o estudo fosse capaz de despertar o interesse das crianças, elas seriam muito melhores alunas.

Se o ensino fosse aliciante, os jovens armazenariam durante o seu longo tempo de estudantes uma gigantesca bagagem que não mais esqueceriam; assim, estudando coisas que na maior parte das vezes esquecem 24 horas depois de as decorarem, acabam por sair da escola com conhecimentos muito limitados.

Grande parte do tempo passado pelos estudantes nas escolas é desperdiçado, pela simples razão de que este ensino não os interessa, não os motiva, não os agarra. 

E mesmo muito daquilo que aprendem e não esquecem, não lhes servirá para nada.