Benesses dadas a médicos brasileiros revoltam portugueses

O governo tem intenções de contratar médicos brasileiros por 2863 euros por mês, seis euros de subsídio de refeição e casa de função. O que pensam disto os sindicatos dos médicos?

«O mais grave é que são médicos que vêm sem especialidade porque no Brasil não existe Medicina Geral e Familiar, mas sim Medicina da Comunidade (que é algo muito mais ligeiro). A ideia que tenho, falando com outros colegas, é que não há muita procura. Os médicos brasileiros têm um bom salário e não querem deixar o seu país», diz ao Nascer do SOL Maria João Tiago, médica de família e dirigente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), relativamente às intenções do Governo de contratar médicos brasileiros.

Em causa estão um salário bruto de 2863 euros por mês e seis euros diários de subsídio de refeição, acrescidos de ‘casa de função’ atribuída pela autarquia do local para onde forem contratados. «Atendendo aos 2800 e tal euros, têm quase 50% em impostos e acaba por não ser muito atrativo. De qualquer modo, esta seria uma boa proposta para os médicos portugueses. Qual é o problema do SNS? Não é a falta de médicos, mas sim o facto de não estarem fixos no SNS», sublinha a assistente graduada na USF São João da Talha, em Loures. «Por isso, se tivessem casa de função, se calhar ficariam no SNS e não iriam para o privado. Fico preocupada por estarmos a oferecer condições mais vantajosas aos colegas brasileiros do que aos portugueses. Seria bom que o Governo estendesse estas condições aos médicos nacionais. Os internos, quando acabam a especialidade, muitas das vezes não ficam no SNS, exatamente pelo preço das rendas. Principalmente em Lisboa e Vale do Tejo. O Executivo devia pensar bem nisto».

Recorde-se que o Ministério da Saúde abriu todas as vagas possíveis, mas só foram admitidos no concurso para especialistas de Medicina Geral e Familiar 393 médicos, o que corresponde a aproximadamente 40% das vagas disponíveis. Segundo as listas publicadas pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) no Diário da República, 393 médicos de família foram aceites no concurso, enquanto dois foram excluídos. Além disso, 20 candidatos foram admitidos no concurso para contratação de especialistas em saúde pública.

Nessa altura, em maio, Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do SIM, afirmou: «Quando as vagas foram abertas num pressuposto de que houvesse mais médicos a concorrer, isso não se conseguiu e tal significa que continua a não ser atrativo trabalhar no SNS. 393 médicos concluíram a especialidade e 79 foram para o estrangeiro, privado, etc. Para além de não ter conseguido atrair um número substancial, o SNS só ficou com 314 especialistas do total. E ainda haverá 10% que não ocuparão a vaga. Fazem a sua escolha e no prazo de 60 dias desistem. Não vai haver substituição dos médicos que se reformaram nem daqueles que foram para o privado. São 1100 que se vão reformar este ano. Vai continuar a haver um crescimento de utentes sem médico. Não se criando condições para que os médicos trabalhem no SNS… Torna-se impossível. Um médico especialista aufere cerca de 1800 euros. Se vier do Porto para Lisboa, torna-se incomportável», sublinhou o médico de família que exerce funções na Unidade de Saúde Familiar (USF) da Travessa da Saúde, em Camarate, no concelho de Loures.

No final de julho do ano passado havia quase 1,5 milhões de portugueses sem médico de família, o número mais elevado dos últimos oito anos. Como o Nascer do SOL relatou na altura, a 1 de agosto, os novos especialistas começaram a iniciar funções nos centros de saúde, mas apenas aproximadamente 270 foram colocados e esperavam-se ainda cerca de 30 a 40 passagens à aposentação até ao final de maio, pelo que o reforço só deverá permitir atribuir médico a cerca de 400 mil utentes.

«Na FNAM nada nos move contra os médicos estrangeiros, sempre que tenham licença para praticar pela Ordem dos Médicos. Somos de resto um país de emigrantes, com muitos médicos e outros profissionais de saúde espalhados pelos quatro cantos do mundo. Não obstante, entendemos que o recurso a médicos estrangeiros está a ser usado pelo governo para tapar o sol com a peneira, resistindo a oferecer boas condições de trabalho para os médicos formados em Portugal», explica, por sua vez, Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM).