Os preços dos combustíveis têm aumentado nas últimas semanas e estão a atingir valores que já não eram vistos há uns meses. O Nascer do SOL tentou perceber junto de especialistas o porquê destes aumentos e o que esperar daqui para a frente.
«Durante os primeiros 6 meses do ano, assistimos a uma desvalorização de -13,4% no Brent. Esta desvalorização resultou principalmente de um excesso de oferta que vigorou no mercado durante a primeira metade do ano e de uma recuperação pouco expressiva da economia chinesa», começa por explicar Miguel Ricon Ferraz, Analista Financeiro do Banco Carregosa. E acrescenta que, no entanto, no final do mês de julho, «vários fatores vieram conferir um maior suporte ao preço, que resultou do escoamento do excesso de oferta, dos vários cortes de produção da OPEC+, da reposição das reservas estratégicas dos EUA, das revisões em alta do crescimento económico global para 2023 (FMI e OCDE) e da estabilização do euro».
O analista financeiro explica também que se pode ainda contar com os custos de refinação do petróleo em produtos refinados (combustíveis como gasolina e gasóleo) fruto das ondas de calor. «O processo de refinação envolve o aquecimento e o arrefecimento dos líquidos e gases e esse processo fica mais demorado e custoso em ambientes de temperaturas elevadas», diz.
Mas há outro problema que é a carga fiscal. «No panorama fiscal, em maio, o Governo português fixou a taxa do ISP em 32,354 cêntimos por litro no diesel e em 46,036 cêntimos na gasolina. Contudo, em maio, o Governo também deu início ao descongelamento gradual da taxa de carbono que se encontrava fixada nos 5,92 cêntimos por litro no diesel e em 5,434 cêntimos na gasolina. Desde então assistimos a um agravamento da taxa de carbono de 8 cêntimos por litro no diesel e de 7,343 cêntimos na gasolina», explica Miguel Ricon Ferraz.
Já Ricardo Evangelista, Diretor Executivo da ActivTrades Europe, diz que o aumento se deve à subida dos preços do petróleo e combustíveis em geral nos mercados globais. «A razão subjacente para este aumento é o corte voluntário da produção da Arábia Saudita, que prolongou pelo menos até ao fim de setembro um corte de produção de 1 milhão de barris por dia», detalhando que «uma redução da exportação de petróleo russo, de 300,000 barris diários, que se estenderá igualmente até ao fim de setembro, também contribui para exacerbar a pressão do lado da oferta que está por detrás da subida dos preços».
Também Carla Maia Santos, Head of Sales da Forste é da opinião que que estes aumentos acontecem porque «vários fatores estão a influenciar a valorização do preço do petróleo». E detalha quais são: «Temos o calor extremo que está a atingir todo o globo e que faz com que as refinarias avariem mais e que haja interrupções inesperadas do lado da oferta». A especialista avança também que «o setor que é visto como um dos grandes causadores da crise climática acaba por ‘beber do próprio veneno’ e sentir o efeito do aumento global da temperatura». E, continuando a olhar para o lado da oferta, «a Arábia Saudita diz que vai continua a cortar a produção de petróleo em 1 milhão de barris em agosto e a Rússia pretende reduzir as exportações em 500.000 barris por dia. Estas declarações fazem com que o preço dispare, com receio de falta de oferta face à procura».
Do lado da procura, acrescenta a especialista, «a abertura da China depois da pandemia, dados positivos desta economia e a garantia de apoio à própria economia, levam a um aumento do consumo do petróleo pela segunda maior economia mundial, levando consequentemente a que o preço do petróleo dispare em alta. A flutuação do dólar também tem impacto no preço do petróleo».
Preços podem ultrapassar os dois euros?
Questionados sobre se os preços podem ultrapassar os dois euros, como aconteceu no ano passado, Miguel Ricon Ferraz lembra que durante o ano 2022 se assistiu a uma aceleração de preços «impulsionada, do lado da oferta, pela guerra na Ucrânia e que esteve na génese da inflação europeia» e que a possibilidade de se voltar a um período com esses valores, «depende de duas componentes: o mercado internacional e a carga fiscal aplicada». O analista financeiro diz ao nosso jornal que o mercado internacional do petróleo «é dotado de um elevado dinamismo e atualmente as commodities energéticas encontram-se num equilíbrio frágil. Por um lado, contamos com o receio de um cenário de recessão global que retira pressão ao preço. Por outro lado, a capacidade de fornecimento encontra-se limitada devido às sanções sobre as exportações russas, ao baixo CapEx dada a transição energética, e aos cortes da oferta por parte OPEC+, que deseja manter o preço do crude acima dos 80$/barril tendo em conta o breakeven fiscal». E é possível contar ainda com um rigor do inverno e com um agravamento da guerra na Ucrânia.
Já no que diz respeito à carga fiscal, lembra que o Governo anunciou no final de julho que iria manter em agosto o desconto no ISP (de 13,1 cêntimos no diesel e 15,3 cêntimos na gasolina), «no entanto, também afirmou que iria dar continuidade ao descongelamento gradual da taxa de carbono, numa magnitude de 2 cêntimos no diesel e 1,8 cêntimos na gasolina. Desta forma, podemos contar com um aumento da carga fiscal sobre os hidrocarbonetos».
Já Ricardo Evangelista considera que «é sempre uma possibilidade embora ainda estejamos longe desses valores». E é da opinião de que, daqui para a frente, «tudo vai depender da dinâmica entre a oferta e a procura nos mercados» tendo em conta que «os cortes de produção dos dois principais exportadores de petróleo diminuem a oferta e assim suportam a subida dos preços». Mas, por outro lado, «o abrandamento económico da China deixa antever uma menor procura, o que poderá, pelo menos em parte, contrabalançar o efeito da redução da oferta».
Carla Maia Santos recorda que os preços do petróleo atingiram este mês máximos de abril de 2023 «e encontram uma resistência à subida do preço de curto prazo e podem até corrigir em baixa. Se assim for, o gasóleo não deverá atingir os dois euros por litro no curto prazo».
Daqui para a frente, a especialista diz que a procura do petróleo «está condicionada pelo crescimento económico e consequentemente pelas medidas restritivas aplicadas pelos bancos centrais ao longo do globo, para controlar a inflação», acrescentando que a inflação «continua assim a ser o dado mais importante para analisar e ir percebendo também a evolução do preço do petróleo».
O problema da carga fiscal
A carga fiscal é um dos maiores problemas muitas vezes apontados ao preço dos combustíveis. «Perante o cenário macroeconómico atual, inflacionista e de abrandamento económico, a teoria económica prescreve uma política orçamental expansionista, pela via da redução da carga fiscal, nomeadamente a que incide sobre os combustíveis fósseis. Já que, o aumento nos preços do petróleo, do gás natural e da eletricidade afetam indiretamente os custos associados a todos os produtos e serviços de uma economia», defende o analista financeiro do Banco Carregosa. Para além disto, acrescenta «é necessário ter em conta que, devido à inelasticidade da curva da procura, as políticas monetárias restritivas dificilmente reduzem o preço dos hidrocarbonetos importados».
Pela perspetiva da eficiência económica, diz ainda, «as políticas de controlo e estabilidade de preços devem passar pela distribuição equitativa dos acréscimos dos preços dos combustíveis fósseis importados, entre os diversos agentes económicos».
O analista detalha que a receita do ISP (imposto sobre produtos petrolíferos) do executivo português caiu 195,4 milhões de euros no primeiro semestre deste ano, relativamente ao semestre homólogo de 2022, para € 1411,5 milhões e diz que esta perda de receita deve-se principalmente à queda de 13,4% do preço do petróleo no mercado internacional. Entre os mesmos semestres, o IVA aumentou 916,4 milhões. «Em 2022, a inflação em Portugal poderia ter sido mantida em níveis mais baixos caso houvesse um mercado livre, acompanhado de uma política orçamental expansionista, que incidisse numa maior redução dos impostos sobre os combustíveis fósseis importados, abdicando de uma parte maior do ISP, bem como do IVA que recai sobre os hidrocarbonetos», considera.
E Carla Maia Santos recorda que para além do IVA também se paga o ISP «um Imposto Especial de Consumo, que tem como objetivo onerar o consumidor pelo impacto que esse consumo tem no ambiente e visando o desincentivo do uso de veículos poluentes». E, mesmo com a inflação que se sente em Portugal, «o preço dos combustíveis estava relativamente baixo, se começar a aumentar, poderemos ver o Governo a avançar com mais descontos no ISP de forma a ajudar o orçamento familiar e das empresas».