Comité Olímpico de Portugal. O desporto ainda é tema secundário

A menos de um ano da 33.ª edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico português, está confiante que o contrato-programa vai ser cumprido e que Portugal vai trazer medalhas de Paris 2024.

José Manuel Constantino está ligado ao desporto desde muito novo. No seu tempo de liceu, praticou andebol, voleibol, basquetebol, entre outras modalidades. Depois, licenciou-se em Educação Física e Desporto, pelo Instituto Nacional de Educação Física, e desempenhou vários cargos em entidades ligadas ao fenómeno desportivo. Foi presidente da Confederação do Desporto de Portugal (2000-2002) e do Instituto do Desporto de Portugal (2002-2005) e membro do Conselho Superior do Desporto (2001-2005). Eleito para a presidência do Comité Olímpico de Portugal (COP) em 2013, agora, com 73 anos, está a cumprir o terceiro mandato à frente de uma associação de natureza desportiva, sem fins lucrativos, que tem por missão desenvolver, promover e proteger o movimento olímpico em Portugal, em conformidade com a Carta Olímpica. A ligação de Portugal ao movimento olímpico remonta a 1906, com a nomeação de António Lancastre para o Comité Olímpico Internacional, e continuou através da Sociedade Promotora de Educação Física Nacional, criada em 1909.

Há dez anos que a intervenção do presidente do COP passa por valorizar a importância que o desporto deve ter numa sociedade moderna, embora nem sempre tenha sido bem compreendido pelas entidades públicas relacionadas com o universo desportivo. Para o desempenho da sua missão conta com o apoio do Estado, de patrocínios comerciais e ainda do Comité Olímpico Internacional. O dirigente admite que, atualmente, a sociedade dá maior importância ao fenómeno desportivo do que há 20 anos, mas ainda assim não é suficiente para colocar Portugal ao nível de outros países. José Manuel Constantino afirmou, por diversas vezes, que o desporto representa um conjunto de valores do ponto de vista da saúde pública, da educação e da integração que a sociedade portuguesa não avalia como devia, e por isso considera que continua a ser um tema secundário no nosso país. Em relação ao Projeto Olímpico Paris 2024, garantiu que está a correr de forma satisfatória. Como disse para anteriores jogos olímpicos, espera que os atletas confirmem as marcas e os resultados obtidos nos apuramentos, e confia que, no mínimo, o balanço final seja idêntico ao das olimpíadas de Tóquio.

 

Dentro das expectativas 

Estamos a menos de um ano dos Jogos Olímpicos de Paris (26 de julho a 11 de agosto), onde Portugal vai estar naturalmente representado. O processo de apuramento para as diferentes modalidades só termina a 30 de junho de 2024, sendo que o atletismo, natação, ciclismo, vela, canoagem, surf e tiro já têm presença garantida, ao passo que o andebol e o breakdance têm igualmente boas hipóteses de estarem representados. 

Recorde-se que para Tóquio 2020, Portugal levou 92 atletas. Foi também nesses jogos que conseguiu a melhor participação de sempre numas olimpíadas, com os atletas nacionais a conquistarem quatro medalhas olímpicas e 15 diplomas. A fasquia está, por isso, elevada. 

Para o Projeto Paris 2024 foram feitas algumas alterações, nomeadamente a introdução de novas medidas, a saber: otimizar o rácio entre atletas apoiados e atletas qualificados, redefinir os níveis e critérios de integração no projeto olímpico, melhorar o acompanhamento técnico e clínico dos atletas no processo de preparação através da criação de um gabinete de apoio à preparação olímpica e reforçar a colaboração com as federações no acompanhamento, avaliação e reporte do rendimento desportivo dos atletas. 

Quisemos saber junto do presidente do COP em que ponto está o programa de preparação para as olimpíadas de verão. “Está a decorrer como esperado, sendo que do ponto de vista dos apuramentos já encerrados a única exceção ao previsto foi o não apuramento do futebol”. Na verdade, a derrota da seleção nacional de Sub 21 frente à Inglaterra nos quartos de final do Campeonato da Europa de futebol afastou a equipa das quinas dos próximos Jogos Olímpicos.

Cerca de 130 atletas (55,6% masculinos e 44,4% femininos), de 20 modalidades, lutam por um lugar em Paris 2024. O atletismo tem preponderância, com 28 atletas, seguido pela natação, com 14 nadadores, e 13 judocas, entre os quais estão sete medalhados, 30 atletas Top Elite e 50 de Elite.

Alguns atletas e associações referem que o atletismo português tem sido subvalorizado. O responsável olímpico assegurou: “Na nossa perspetiva, não tem havido em relação a qualquer modalidade desportiva, no que respeita à preparação olímpica, qualquer atitude de desvalorização de qualquer uma das modalidades integradas no Projeto Paris 2024”, defendeu José Manuel Constantino.

 

Confiança para Paris

O Comité Olímpico é a casa de todas as federações desportivas e existe uma relação de respeito pela autonomia e independência de cada uma das partes. Quando confrontado com os objetivos para os próximos jogos olímpicos, o presidente do COP foi claro: “Os objetivos são conhecidos e estão publicados desde o momento em que foi celebrado o contrato-programa com o Governo, como é obrigatório em qualquer contrato-programa celebrado por uma organização desportiva com a administração pública desportiva”.

De acordo com o que está escrito no contrato-programa, a participação dos atletas olímpicos deve atingir as seguintes classificações: no mínimo, quatro lugares de pódio e 15 diplomas, nunca menos de 36 classificações entre os 16 primeiros e 57 pontos entre os oito primeiros. Deve ser garantida a participação em, pelos menos, 17 modalidades, em 66 eventos de medalha e disputar o número de eventos de forma equitativa em termos de género. 

Para atingir esses objetivos, o Estado, através do Instituto Português do Desporto e Juventude, atribuiu à organização da missão portuguesa um apoio no valor de 22 milhões de euros, sendo que o projeto olímpico abrange o período 2022-2025. 

A presença de Portugal no recente Campeonato do Mundo de Atletismo, apesar de ter sido a terceira maior representação de sempre, foi demasiado modesta e ninguém subiu ao pódio. É verdade que faltaram os atletas medalhados em Tóquio 2020 devido a lesão, caso de Pedro Pichardo, campeão olímpico e vice-campeão mundial em pista coberta de triplo salto, e de Patrícia Mamona, vice-campeã olímpica no triplo salto e medalha de ouro no Europeu de pista coberta, mas isso não justifica o fraco desempenho dos atletas nacionais. O melhor que conseguiram foram duas presenças em finais, que resultaram no quarto lugar de Auriol Dongmo no lançamento do peso e no oitavo lugar de Liliana Cá no lançamento do disco. 

Nessa competição participaram os atletas que obtiveram os mínimos estipulados pela Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF), mas também os melhores do ranking nacional, elaborado com base na participação em meetings. Esses atletas ocuparam o lugar de outros que não puderam participar, mesmo sem terem alcançado as marcas exigidas pela IAAF. 

José Manuel Constantino viu e ouviu o que a comitiva disse à chegada a Lisboa, mas não apontou responsáveis e muito menos fez balanços, isso é conversa para outras entidades. “A avaliação da prestação das missões desportivas enquadradas pelas federações desportivas é da exclusiva responsabilidade delas próprias. O Comité Olímpico de Portugal acompanha os resultados e receciona o relatório que sobre eles é elaborado. A avaliação do COP é de natureza complementar e de uso exclusivamente interno”, disse.

 

Menos competitivo

Durante muitos anos Portugal foi muito forte nas corridas de fundo e meio-fundo. Hoje em dia, perdemos competitividade e deixámos de ter campeões. Para José Manuel Constantino, há razões que levaram a esse apagamento. “O quadro internacional alterou-se com o surgimento de novos países, designadamente africanos, e o modo como a modalidade evoluiu, sobretudo com as corridas em estrada em detrimento da pista, e uma alteração do segmento social dos praticantes destas disciplinas podem ajudar a explicar essa perda de competitividade”, explicou o dirigente olímpico.

A última grande competição internacional mostrou que o atletismo português está a perder qualidade. O presidente do COP deu-nos a sua opinião de como se deve trabalhar para ter mais e melhores atletas: “É fundamental aumentar as políticas de promoção da modalidade, a par de programas de fixação dos atletas, que combatam o abandono desportivo precoce e de programas de retenção e preparação específica daqueles que apresentam melhores qualidades do ponto de vista competitivo com vista a aumentar a nossa competitividade no contexto internacional”.