Avatar de Filipa Melo

Filipa Melo


  • O palco e o esterco

    Thomas Bernhard escreveu a última peça, Heldenplatz (Praça dos Heróis), para assinalar os 50 anos da anexação da Áustria pelas tropas de Hitler, então festejada por 250 mil pessoas na praça em frente ao Burgtheater. Em 1988, em cena naquela mesma sala, alguém gritaria: “Existem mais nazis hoje em Viena do que em 1938!”. Dias…


  • O génio do livro

    Nas faculdades, estudam-se textos e obras que são como mesas ou cadeiras sem pernas que as sustentem. No mercado, no meio literário e na comunicação social, promovem-se autores que mais valia serem carpinteiros. O mundo da verdadeira originalidade está a desabar? Nem tanto. Se “o estudo da mediocridade gera mediocridade”, a celebração dos génios gera…


  • Uma presença ausente

    Quando Subhash chegou aos EUA para se especializar em oceanografia, “a diferença era tão extrema que ele não conseguia acomodar os dois sítios juntos na sua cabeça”. Pensava muito no irmão, Udayan, que ficara em casa dos pais, em Tollygunge, a sul de Calcutá, e queria permanecer-lhe leal, mas esta afeição mútua estava “esticada até…


  • Mary Shelley: A mãe e o monstro

    A matéria tratada em Mary Shelley – Uma biografia da autora de Frankenstein tem um fulgor romântico, mas é tão dramática como um mito grego e tão actual como a discussão sobre a clonagem.


  • No nicho da alma

    Para Nicolas Humphrey, a consciência é uma encenação do homem para consigo mesmo. A alma e a magia assistem de camarote.


  • A nação dos órfãos

    Adam Johnson expôs a realidade mais brutal da Coreia do Norte através da ficção mais criativa.


  • Literatura: A volta de Gulliver

    Lexicógrafo, crítico literário, ensaísta, poeta, colunista político, moralista, o britânico Samuel Johnson (1709-1784) foi um exemplo superior do homem de letras moral. Isto é, dedicou-se a “ler, escrever e conversar na sua devida proporção”, elevando-se, ainda que contra (fraco) pagamento, à máxima independência e aos máximos talento e profissionalismo. A guiá-lo, apenas os clássicos princípios…


  • Literatura: O grande tornado negro

    Em 1914, de partida para a frente de combate, os soldados garantiam às famílias que estariam de volta para o Natal. Winston Churchill escrevia à mulher: “Tudo tende para a catástrofe e o colapso. Estou interessado, preparado e feliz. Não é horrível ser assim?”. Quatro anos depois, o saldo da Primeira Guerra Mundial era de…


  • Livros: Um concerto desconcertante

    É um pequeno grande delírio realista-barroco-surrealista e cabe em pouco mais de cem páginas. Obra máxima da literatura sul-americana, escrita por Alejo Carpentier em 1974, Concerto Barroco sai agora pela Antígona.


  • Livros: manual do subúrbio

    Enquanto o ex-comissário de polícia Rubem Fonseca leva aos limites o retrato da violência no Rio, João Antônio (1937-1996), filho de uma doméstica mulata e de um camionista de origem portuguesa (apelido Ferreira), mostra o submundo de São Paulo. A década é a de 60 e a matéria é o conto, trabalhado por ambos num…


  • Literatura: O marinheiro bem-parecido

    De entre os quatro principais autores clássicos norte-americanos, Herman Melville, Henry David Thoreau, Nathaniel Hawthorne e Walt Whitman, só este último conheceu em vida um significativo sucesso popular. No caso de Melville (1819-1891), após o fracasso de Moby Dick e Pierre (ambos de 1851), o escritor recolhe-se à obscuridade e “prefere não fazer”, tal qual…


  • Ortografia sibilina

    Perguntaram-lhe como supõe que a sua obra será lida daqui a cem anos, e Agustina respondeu: “Eu logo vejo”. Quem o conta é o marido, Alberto Luís, no prefácio a Caderno de Significados, antologia de escritos inéditos que organizou com a neta, Lourença Baldaque, para a Guimarães. Recém-lançado, o pequeno volume reúne cerca de 90…


  • Literatura: A intimidade das ideias

    Vasco Araújo diz: “O mundo é feito de coisas invisíveis que quando se mostram são extraordinárias. A arte é como se fosse uma flecha que nos atiram, para nos provocar uma direção, no sentido da observação excessiva de um objecto”. A prova da afirmação é feita com sucesso em Para Grandes Solidões, Magníficos Espelhos, livro…


  • Literatura: Um guia para nenhures

    Manguel e Guadalupi cartografaram a imaginação para que possamos viajar em pensamento.


  • Lisboa, a vê-los passar

    Hoje, talvez fôssemos bem mais cultos, mais ricos e mais cosmopolitas, se não os tivéssemos apenas visto passar. Fugitivos políticos, artistas refugiados, refugiados célebres ou refugiados comuns. Entre eles, a nata cultural e financeira da Europa; Peggy Guggenheim, Max Ernst, Béla Bartók, Marc Chagall, Alfred Döblin, Thomas Mann ou Hans Sahl, por exemplo. Durante a…


  • Atlas do Corpo e da Imaginação: Pronto-a-pensar

    São 32 títulos desde a estreia, em 2001, com Livro da Dança. Hoje, Gonçalo M. Tavares tem uma projecção e um impacto internacionais só comparáveis, entre os autores portugueses, aos do Nobel José Saramago e, postumamente, de Fernando Pessoa. Isto porque, programada desde o início, a sua obra, multíplice e desafiante, exprime uma verdadeira máquina…


  • O livro-sonâmbulo de Pessoa

    “Ninguem me conheceu sob a máscara da egualha, nem soube nunca que era mascara, porque ninguém sabia que neste mundo há mascarados. Ninguem suppoz que ao pé de mim estivesse sempre outro, que afinal era eu. Julgaram-me sempre idêntico a mim”. E, contudo, quem escreve esta narrativa em estilhaços, profundamente insone, solitária e desesperançada, revela-nos,…


  • ‘A arte tem de perturbar’

    Casada há 31 anos com o escritor Paul Auster, mãe da actriz e cantora Sophie Auster (de 26 anos), Siri Hustvedt (n. 1955) está habituada a que lhe falem de influências familiares. Mas continua a achar o tema muito aborrecido. Após cinco romances aclamados pela crítica (o último, Verão Sem Homens, saiu em 2011), dedica-se…


  • Literatura: O velho peixe sábio

    Cinco anos após o suicídio (enforcou-se aos 46 anos, vencido por duas décadas de luta contra a depressão), David Foster Wallace é uma lenda, uma moda e uma referência crucial na literatura da terceira vaga modernista. O segundo romance, Piada Infinita (1198 páginas, incluindo 338 notas extensas) desafia os limites da intertextualidade e a definição…