Do desconforto nascem fados

Quando o convite para fazer um espectáculo de fado no festival Caixa Alfama surgiu, o primeiro instinto de Ana Bacalhau foi pensar que não era capaz. O respeito profundo que tem pelo género musical, herança de família adquirida durante a adolescência, e os receios em desvirtuar uma arte que tanto admira justificavam os receios. A…

Do desconforto nascem fados

Ana Bacalhau começou então por escolher um repertório familiar, onde os mestres do fado que conheceu através do pai ocupam lugar de destaque. “São nomes que foram importantes para mim e para a minha família, como a Amália Rodrigues, Hermínia Silva, Alfredo Marceneiro, Lucília do Carmo, Maria Teresa de Noronha”, enumera, revelando que a atracção que sentiu na adolescência pelo fado estava intimamente ligada às dores de crescimento, físicas e emocionais, normais nessa fase da vida. “Como qualquer adolescente que cresceu nos anos 90, estava desligada da música portuguesa. Mas quando comecei a cantar, pelos meus 16 anos, fui ouvir os discos do meu pai e encontrei o Zeca Afonso, a Amália, a Hermínia, e percebi que, à semelhança de uns Nirvana, as minhas dores também encontravam eco naqueles poemas”.

Por ser uma estreia absoluta, a vocalista dos Deolinda rodeou-se de músicos que lhe são próximos – como o marido, José Pedro Leitão, no contrabaixo, Bernardo Couto, na guitarra portuguesa, e Pedro Soares, na viola -, e 'afadistou' dois temas inéditos para o espectáculo: 'Chorei', uma composição sua, e outra que lhe foi oferecida por Márcia. Sinal de que está pronta para se aventurar a solo? “Ainda não me sinto preparada para isso, mas talvez possa acontecer um dia”, responde, frisando que a concretizar-se será sempre em paralelo com os Deolinda.

Enquanto as certezas absolutas não chegam, encara estes espectáculos como “minilaboratórios” para perceber quem é que pode ser em nome próprio e qual é a sua música longe dos Deolinda. O concerto de hoje à noite realiza-se no Grupo Sportivo Adicense, em Alfama, a par de Ricardo Ribeiro, Katia Guerreiro e Ana Moura e António Zambujo no palco principal. Amanhã é a vez de Carminho e Jorge Fernando serem os protagonistas desta segunda edição do Caixa Alfama. 

alexandra.ho@sol.pt