Quando Yanis Varoufakis esteve em Portugal não foi a Lisboa ou ao Porto. A sua breve estada entre nós, no último sábado, resumiu-se a Coimbra. E talvez não pudesse ser de outro modo. Numa conferência integrada na aula inaugural dos programas de doutoramento do Centro de Estudos Sociais (CES, Universidade de Coimbra), o ex-ministro das finanças grego disse, entre outras coisas, que tinha tido a «audácia de falar de economia no Eurogrupo» e lamentou a falta de capacidade de diálogo ou de solidariedade europeia perante a situação do seu país.
Essa «audácia de falar de economia» e de outras ciências sociais tem marcado a existência do CES desde o início. Fundado em 1978 pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos e outros académicos, o centro teve crescimento acentuado sobretudo na última década. Santos tinha regressado de um doutoramento nos EUA e já tinha feito trabalho de campo nas favelas brasileiras, um estudo quase inaugural destes meios sociais. A preocupação, de há mais de dez anos para cá, assegura o sociólogo em conversa telefónica a partir dos EUA com o SOL, tem sido a «internacionalização» do centro.
Santos reparte o seu tempo entre o CES e a Universidade norte-americana de Wisconsin-Madison e é com satisfação que fala do alcance que a sua ‘metade académica’ coimbrã tem hoje: Trata-se de um dos centros europeus «que tem mais projetos do European Research Council [entidade da União Europeia que financia projetos de investigação das ciências, exatas e humanas], um sistema altamente competitivo». São oito milhões de euros para quatro grupos de trabalho – incluindo o do próprio fundador – para temas que vão da procriação medicamente assistida e da conjugalidade lésbica às desigualdades sociais.
Podemos associar estes estudos a alguns dos temas-charneira do Bloco de Esquerda? Indo mais longe, podemos associar a subida pronunciada do BE nas eleições de 4 de outubro ao papel teórico do CES? Boaventura de Sousa Santos não estabelece uma relação umbilical entre o partido e o centro académico de Coimbra. O CES procura antes desenvolver investigação com consciência social, e os temas e abordagens coincidem não só com as preocupações do BE mas com as de toda a esquerda.
De Ana Drago a Marisa Matias
Figuras de impulso recente do BE tiveram contacto com o CES. Mas são apenas algumas – é o caso da candidata do partido às próximas presidenciais, a eurodeputada Marisa Matias, que foi aluna, ou do dirigente José Manuel Pureza, que é investigador do CES. José Soeiro, por seu lado, fez doutoramento no centro e Ana Drago começou lá o seu doutoramento.
O centro, frisa Boaventura, não tem uma ligação partidária direta. De resto, o diretor subscreveu um apoio público ao Livre, de Rui Tavares e Drago. «Nunca fui um homem de partido», resume Santos, «procuro que o meu papel não fique confinado à vida partidária». Outra figura pública ligada ao CES Manuel Carvalho da Silva, que dirige a delegação do centro em Lisboa. O ex-secretário-geral da CGTP chegou a ser uma hipótese para o candidato presidencial do BE. Boaventura de Sousa Santos diz ainda que Juan Carlos Monedero e Pablo Iglesias, do Podemos, reivindicam as suas ideias como referências para o movimento.
Num panorama mediático, defende, ocupado pelas ideias à direita, o CES procura novas vias para a esquerda democrática. «Um dos grandes problemas do nosso tempo é que o capitalismo não enfrenta uma alternativa. E mesmo a social-democracia entrou em crise, que começou quando partidos como o SPD [na Alemanha] e o Trabalhista [inglês] abraçaram o neoliberalismo».
O pensamento único é um obstáculo nessa rota. Boaventura sugere o trabalho do CES como uma alternativa, mesmo que esse discurso não seja abundante nos órgãos de comunicação social. «Se estivéssemos ligados à direita, ninguém estranhava», conclui. «Em Portugal ser cientista social e, ainda por cima, de esquerda, parece uma anomalia».