A culpa é do Passos

Pedro Passos Coelho foi um excelente primeiro-ministro e António Costa está hoje a colher os frutos das sementes que o seu antecessor lançou à terra.

O equilíbrio orçamental permitiu a rápida redução do défice, as reformas laborais relançaram o emprego, o incremento das exportações possibilitou a retoma da economia, e o turismo fez o resto. 

No entanto, em vez de ser elogiado pelo que fez de bom, Passos Coelho é hoje criticado pelo que supostamente fez de mau… e até pelo que não fez.

Recuemos um pouco no tempo.   José Sócrates, além de ter destruído empresas como a PT e de ter contribuído para a desvalorização de bancos como o BCP, conduziu o país à bancarrota.

Portugal ficou de rastos e teve de pedir ajuda ao estrangeiro.

Mas, vendo bem as coisas, não foi Sócrates o culpado.

A culpa foi do PSD, que chumbou o PEC 4.

Dito de outro modo, a culpa foi do Passos.

Passos Coelho substituiu José Sócrates na chefia do Governo e começou a aplicar o memorando negociado pelo PS.

O PS, porém, passou a atacá-lo. 

Porquê?

Porque o Governo estava a ir ‘além da troika’.

Por acaso, o Governo PSD-CDS ficou sempre ‘aquém da troika’, mas isso pouco importava.

O que importava era esquecer rapidamente o passado de Sócrates e arranjar um responsável pelos cortes e dificuldades que os portugueses estavam a passar.

E esse culpado tinha um nome: Passos Coelho.

Portanto, a culpa era do Passos. 

Depois vieram as eleições, que o PSD ganhou – apesar da austeridade – mas sem possibilidade de formar maioria.

O PS recusou coligar-se com ele e arranjou maneira de governar sozinho, com o apoio da esquerda. 

Era natural que passasse a ser António Costa o centro das críticas dos portugueses, como acontece com todos os chefes de Governo.

Mas aqui foi diferente.

O principal criticado continuou a ser Passos Coelho, por não ter sabido perder, por ser um profeta da desgraça, por estar sempre carrancudo, etc.

Ou seja: embora não tivesse podido governar apesar de ter ganho as eleições, Passos Coelho devia estar satisfeito, alegre e contente.

A culpa não era de quem o tinha afastado do poder mas sim dele.

Ou seja, a culpa era do Passos.

Depois veio a história do ‘diabo’.  As coisas começaram a correr mal para a ‘geringonça’, os resultados do 1º semestre de 2016 foram péssimos, e Passos Coelho disse que o ‘diabo’ chegaria depois do Verão.

Quantas vezes o PS tinha atacado o Governo PSD-CDS com muito mais violência durante os anos da troika, antecipando catástrofes que nunca aconteceram?

Mas isso pouco interessava.

O problema fora o que Passos dissera. 

Durante meses, não houve comentador afeto ao PS ou dirigente socialista (primeiro-ministro incluído) que não falasse no ‘diabo’ em tom de gozo.

O ‘diabo’ começou a perseguir o líder do PSD por toda a parte – mostrando claramente que a culpa era do Passos.

Até que se deu a tragédia de Pedrógão Grande, com dezenas de mortos, e o roubo de Tancos. 

Era lógico que o Governo ficasse em xeque.

Mas logo as coisas se recompuseram.

Bastou Passos Coelho falar em ‘suicídios’ para o cenário mudar. 

Os ‘suicídios’ invocados por Passos tornaram-se mais importantes do que os próprios mortos na tragédia.

Não importava se ele fora induzido em erro por uma figura local respeitável, nem se corrigira a afirmação poucas horas depois, nem se pedira desculpa, nem se houvera mesmo tentativas de suicídio na região atingida. 

A culpa era do Passos, ponto.

Finalmente foi a polémica sobre o número de vítimas em Pedrógão.

Como gato escaldado de água fria tem medo, Passos Coelho resguardou-se e foi o líder parlamentar, Hugo Soares, a exigir a publicitação da lista de vítimas mortais, perante as dúvidas que surgiam de toda a parte.

E o Ministério Público divulgou finalmente a lista, confirmando as 64 mortes (embora com uma ou outra dúvida).

E aqui o PS embandeirou em arco: a lista desmentia categoricamente as ‘infames insinuações’ do PSD.

É certo que aqui não foi Passos Coelho a dar a cara.

Mas a memória é curta e daqui a uns tempos o que ficará da tragédia será a tentativa de ‘aproveitamento político’ por parte do PSD.

E como o líder do PSD é Passos Coelho… a culpa passará a ser do Passos.

Quer na oposição quer no Governo, a culpa é sempre do Passos.

O que corre bem é mérito dos socialistas, o que corre mal é por causa de Passos Coelho.

Mesmo quando a responsabilidade é toda do PS, este arranja maneira de virar o bico ao prego e apontar o dedo acusador ao líder do PSD.

José Sócrates era um inocente, António Costa é um inocente, Passos é um traste.

E esta ‘narrativa’ já dura há sete anos e meio…

P.S. – A boa situação económica é uma das grandes bandeiras deste Governo, elogiada à esquerda e à direita. E com razão. Mas há dados menos positivos. O défice do 1.º trimestre disparou, a poupança atingiu mínimos históricos e o número de famílias em incumprimento voltou a subir depois de dois anos a descer, a balança comercial tende a desequilibrar-se de novo e a dívida atingiu no fim de junho o valor mais alto de sempre. Mas não há problema. Se a situação se complicar muito, a culpa será… do Passos.