Em 1972, cinco homens invadiram as instalações do Partido Democrata para fotografarem documentos e colocarem os telefones sob escuta, permitindo à campanha de Rixard Nixon estar a par de todas as manobras dos adversários e dando-lhes a hipótese de chantagearem os escutados. A detenção desses homens deu início a uma das maiores investigações jornalísticas de que há memória: Watergate.
Bob Woodward e Carl Bernstein, repórteres do Washington Post, levaram dois anos até conseguirem provar que o Presidente americano estava a par do assalto ao edifício Watergate. Nixon, que havia sido reeleito em 1972, foi obrigado a renunciar dois anos depois. E teve a vantagem de o Presidente que lhe sucedeu, Gerard Ford, o ter indultado de imediato.
Qual a razão de contar esta história tão conhecida e tão antiga? Por uma simples razão: o que se passou em Tancos faz-me lembrar, e muito, o Watergate. Não é que exista um Presidente que manda escutar o adversário, mas depois tudo tem muitas pontes de contacto. Houve um assalto, há quem diga que envolveu quatro ou cinco pessoas; de seguida um ministro tenta esconder o assalto dizendo que, no limite, podia não ter existido; o suposto material furtado acabaria por aparecer com mais um caixa do que teria sido roubado; ou, como se diz agora, falta uma ou duas caixas. E, segundo a nossa notícia de hoje, o material encontrado pouco tem a ver com o desaparecido.
Sabe-se também que durante este tempo as duas polícias judiciárias se escutaram e controlaram uma à outra; sabe-se ainda que o ministro foi informado da fraude da entrega das armas, apesar de sempre o ter desmentido, até ser obrigado a demitir-se ou a ser demitido; não se sabe é como o ministro da Defesa não deu conhecimento ao primeiro-ministro e este, por sua vez, ao Presidente da República. Pelo meio assistimos a uma das notícias mais fascinantes da imprensa portuguesa: o ministro sabia de tudo mas não lhe deu importância – note-se que estamos a falar da suposta devolução de armas roubadas que tinham a potência, por exemplo, de deitar um avião abaixo ou destruir uma embaixada – e na altura do roubo a embaixada dos EUA em Lisboa esteve em alerta máximo. Perante uma informação destas, o ministro desvalorizou-a. Fantástico, diria que nem a CIA nem o FBI conseguiriam fazer passar uma notícia destas. Qual o objetivo da mesma? Não atingir quem?
Mais recentemente, Sandra Felgueiras, na RTP, revelou que o ex-diretor da PJM e o ex-chefe da Casa Militar da Presidência da República estavam em contacto permanente e que até havia um estafeta para levar correspondência de um lado para o outro. Em novembro de 2017, João Cordeiro, o homem da presidência, passou à reserva, um mês depois do reaparecimento das armas.
Mas o mais extraordinário para mim é o telefonema da então procuradora-geral da República para o ministro de então, Azeredo Lopes. O telefonema terá ocorrido em outubro de 2017, e Joana Marques Vidal terá demonstrado o seu descontentamento ao ministro pelo comportamento da PJM. Nesse dia, estou em crer, Joana Marques Vidal terá assinado, sem saber, a sua carta de despedimento.
Não sei se foi coincidência, mas o novo ministro da Defesa, numa das primeiras intervenções sobre Tancos, disse: «Daqui por algumas décadas tudo isso [assalto a Tancos] vai estar disponível no Arquivo Histórico». Acredito que sim, daqui a muitos, muitos anos. Tancos ficará para a história de Portugal como Camarate. Se estiver enganado, ficarei contente. Mas parece-me óbvio que há gente a mais que sabia da história e que a abafou. Porquê? São muitas as teorias da conspiração, uma há que diz que a NATO sabe da história e que queria que armas portuguesas chegassem à Síria para combater as forças de Assad e que os russos souberam de tudo e puseram termo à brincadeira. É só uma teoria, mas que este caso chamusca muita gente, chamusca.