Catalunha

Desde miúdo ouvi o meu pai dizer que devíamos a nossa independência aos catalães. De facto, uma revolta na Catalunha em 1640 obrigou Filipe IV a enviar tropas para a esmagar, deixando o caminho livre aos nossos ‘valentes’ cavaleiros, para resgatarem a independência na Praça dos Restauradores.

Os catalães sempre viram Castela como um invasor. Lembro-me de, num Verão que lá passei com o meu pai, nos anos 60, um velho meteu conversa connosco num café – e, depois de ganhar confiança (e de saber que o meu pai era historiador), nos levou a uma cave onde funcionava uma escola clandestina de ensino do catalão.

Durante o franquismo, os catalães sempre conseguiram manter viva a sua língua – e, mal veio a democracia, impuseram-na como língua oficial.

De um dia para o outro tudo mudou: os nomes das cidades, os textos dos livros e dos jornais, os letreiros das autoestradas.

Ora, quando um povo demonstra este grau de resistência, é inútil lutar contra a sua vontade. Mal comparado, é como a sobrevivência do povo judeu aos ataques de que foi vítima ao longo da História, incluindo a brutal ‘solução final’ (o extermínio) decretado por Hitler.

Quando a semente é forte, não adianta espezinhar a planta.

Vem isto naturalmente a propósito da repressão decretada por um juiz da Catalunha nas vésperas do referendo. Prenderam-se dirigentes, apreenderam-se boletins de voto. Mas de que servirá? ‘Não há machado que corte da raiz ao pensamento’, como dizia o poeta.

Os atos repressivos só favorecem a prazo as suas vítimas. A intervenção policial na Catalunha só alimentará a aversão a Castela, vista cada vez mais como uma potência colonial. Muitos dos indecisos tenderão naturalmente a pender para o lado dos independentistas.

Assim, a intervenção na Catalunha, para lá de ser odiosa, será contraproducente. Foi pouco inteligente. Deu a ideia de que o poder tem medo que o ‘sim’ vença. Ora, se isso é assim, assumiu-se como um poder abertamente contra a vontade dos catalães.

Estranho que, nesta questão, haja tanta gente em Portugal contra a independência. Para lá da ajuda que a Catalunha nos deu, houve as lutas nacionalistas nas nossas colónias de África – que os democratas sempre apoiaram, reconhecendo o direito dos povos à autodeterminação e independência.

E, neste caso, os catalães não têm direito a elas porquê? Se houver efetivamente uma vontade maioritária, qual é o argumento para manter a Catalunha sob o domínio castelhano?

Dir-se-á que os catalães já têm todos os direitos e que a sua luta é vazia de objetivos. Mas isso tem de ser sentido por eles e não dito por outros.

Uma coisa é certa: a luta dos catalães, que vem de longe, não acabará aqui. Mais tarde ou mais cedo serão independentes. E esta resistência de Castela só vai agravar o conflito e aumentar o fosso que já separa catalães e castelhanos.

 

José António Saraiva