Caxemira. A probabilidade de um conflito nuclear ‘é grande’

Adérito Vicente, especialista em desnuclearização, responde a algumas questões

Qual é a probabilidade de o confronto entre o Paquistão e a Índia em Caxemira resultar num conflito nuclear?

A probabilidade é grande, tendo em conta que em 2017 houve uma nova postura nuclear do Paquistão que diz que se houver uma invasão militar convencional por parte da Índia na área, eles são forçados a usar armas táticas nucleares. Por agora pode haver conflitos de pequena escala, com a aviação e tiroteios na fronteira, mas imagine que alguns comandantes indianos querem invadir o chamado LOC, ou Line of Control. Pode levar o Paquistão a ter de usar armas táticas nucleares. Porque se não o fizer, a Índia nunca vai acreditar que as usarão, então pode sentir confiança para invadir a zona, sabendo que o Paquistão não vai usar as suas armas nucleares. Eles estão reféns da sua política. Por isso é que esta zona é tão perigosa, devido a estas doutrinas.

Caso ocorresse essa escalada nuclear, como é que decorreria?

Esperemos que não chegue aí. Como disse, teria de haver um grande número de forças convencionais a invadirem a zona, e o Paquistão admitir que passaram a fronteira. Então haveria um ataque com armas táticas nucleares, que têm um alcance que pode ser de 500 km, não são armas estratégicas. Depois a Índia retaliaria com armas estratégicas nucleares, o que aliás, faz parte da sua postura nuclear. Da parte do Paquistão o conflito seria centrado na fronteira, e a resposta da Índia não seria simétrica, seria atacar os postos de comando, como Islamabade. Rapidamente o conflito escalaria, dado que as doutrinas de parte a parte não são flexíveis, não permitem grandes dúvidas.

Qual é a diferença entre armas nucleares táticas e estratégicas? 

Alcance e potência. Imagine, uma arma tática nuclear pode ter a potência da bomba de Hiroxima. Quanto a uma arma estratégica, do nível das da Índia, estamos a falar de no mínimo dez vezes mais. Seria uma arma com 100 kilotoneladas, por exemplo. Uma arma tática nuclear é capaz de arrasar o centro de uma cidade. Uma arma estratégica já arrasa uma área metropolitana. 

Que consequências teria um conflito dessa escala?

As consequências não seriam só para a região. Um estudo da ONG Scientist Against Nuclear Arms, citado na Business Insider diz que se houver um conflito com mais de 50 armas nucleares de parte a parte, que é basicamente metade do arsenal de cada um – o Paquistão tem cerca de 140 armas nucleares e a Índia 130 – com metade disso teria consequências a nível mundial, por exemplo para a camada do ozono, e também a nível das nuvens, o que teria efeitos na agricultura, entre outras coisas.

Existe uma grande diferença de capacidade militar entre os dois?

Existe, existe. A Índia tem um dos maiores exércitos do mundo, a nível convencional, um nível muito superior ao do Paquistão. Já este tem mais umas dez armas nucleares que a Índia, de acordo com os estudos realizados. Só que as armas de que o Paquistão dispõe estão baseadas em mísseis terrestres ou bombardeiros e a Índia também tem submarinos. O submarino é uma arma ainda mais estratégica do que as outras. O Paquistão também não tem quase acesso ao mar. Mas do ponto de vista nuclear são equivalentes.