Circos abandonam animais

Há companhias de circo a abandonar os seus animais amestrados por estarem velhos e doentes e não terem condições para os manter.

os grandes felinos como leões e tigres são as principais vítimas de abandono, avançou ao sol joão loureiro, responsável pela unidade do instituto da conservação da natureza e das florestas (icnf), que aplica e fiscaliza a convenção sobre o comércio internacional de espécies da fauna e da flora silvestres ameaçadas de extinção (cites).

segundo os últimos dados do icnf, em 2011 e 2012 foram encontrados sete animais de circo abandonados: no ano passado, foram resgatados três tigres e no ano anterior sucedeu o mesmo a outros dois felinos desta espécie e também a dois leões.

a maioria das situações foi detectada pelas autoridades no seguimento de denúncias. “são animais que deixam de poder ser utilizados nos espectáculos porque estão velhos e que a legislação proíbe de reproduzir e de vender. os donos dos circos, sobretudo os de menores dimensões, acabam por deixá-los em atrelados em terrenos agrícolas nas imediações das cidades por onde passam”, conta aquele responsável do icnf.

a promessa dos donos dos circos aos proprietários dos terrenos, explica joão loureiro, é sempre a mesma: garantem que apenas vão fazer um espectáculo noutra cidade e que voltam para buscar os animais dentro de uma ou duas semanas. “e passam-se meses. os agricultores até vão alimentando os animais, por pena, pensando que os donos irão regressar, até que chega o momento em que percebem que isso não vai mesmo acontecer e ficam sem saber o que fazer”.

e é nessa altura que contactam as autoridades para irem buscar os animais.

‘jardins zoológicos não os querem’

“quando encontramos animais destes num terreno, é quase impossível encontrarmos os donos”, diz o perito do icnf., continuando: “são companhias itinerantes, muitas vezes de famílias alargadas e não costumam deixar o número de contacto verdadeiro aos donos dos terrenos”.

este não é, porém, o único problema: as autoridades não conseguiram ainda encontrar uma forma fidedigna de identificar os proprietários dos animais – mesmo quando estão legalizados. “as companhias podem estar registadas na direcção geral de alimentação e veterinária em nome de qualquer membro da família que as gere e os animais certificados pertencerem a outro membro da mesma família ou apenas do circo. por isso, é difícil fazer as bases de dados coincidirem”, explica joão loureiro.

outra dificuldade das autoridades é encontrar colocação para os animais. “como estão velhos, muitas vezes sem unhas e sem dentes, que lhes foram retirados para não serem tão perigosos no circo, os jardins zoológicos não os querem”, refere joão loureiro, esclarecendo: “trata-se de animais de grande porte que são difíceis de manter, precisam de espaço e de grandes doses de alimento”.

um zoo, por exemplo, tem de ter uma área mínima de 200 metros quadrados para albergar grandes felinos. e os bichos são muitas vezes híbridos, de segunda ou terceira geração, o que lhes retira interesse.

a solução encontrada pelo icnf, nos casos em que não sabe dos donos dos bichos é entregá-los provisoriamente a zoos mais pequenos. mas estes acabam por estar a fazer um favor ao estado, uma vez que as listas de espera para colocar definitivamente os bichos são enormes, chegando a estar um ano e meio, ou dois à espera.

nova lei protege espécies

o problema tem vindo a agravar-se desde 2009, ano em que entrou em vigor uma portaria que introduziu novas regras para os proprietários de espécies exóticas – como pumas, leões, tigres, hipopótamos, elefantes, primatas, crocodilos ou cobras, por exemplo. com esta legislação, os donos dos animais passaram a estar proibidos de os comercializar ou utilizar para reprodução além disso, são obrigados a possuir um certificado de cada exemplar que detêm. sem ter utilidade para os animais que ficam velhos, alguns circos acabam por os abandonar.

o principal objectivo da portaria é impedir que as espécies exóticas e protegidas sejam usadas em espectáculos. porém, para evitar a ruptura do sector, permitiu-se que os circos usem os animais que já tinham até estes morrerem.

para quem trabalha na área, esta medida vai acabar com o negócio. “se não tivermos animais as pessoas não vão ao circo” , garante víctor hugo cardinalli, dono de uma das maiores companhias de circo do país. “a primeira coisa que as pessoas perguntam quando chegamos a uma cidade é se há animais, para levarem os filhos”, conta.

26 felinos apreendidos

para garantir que a portaria está ser cumprida, o icnf, com o apoio do serviço de protecção da natureza e do ambiente (sepna), da gnr, e da pj, tem fiscalizado os circos. e desde 2009, foram apreendidos 26 felinos – grande parte por não terem o certificado que a lei exige.

nestes casos, os donos pagam multas –¬ que podem atingir os 20 mil euros – e deviam ficar sem os animais. mas como o estado não tem onde os colocar, o que está a acontecer é que os animais apreendidos acabam por ficar à guarda dos mesmos donos.

foi o que sucedeu aos quatro tigres da sibéria apreendidos pelo sepna já este ano, que apesar de terem estado ilegais, continuam nas mãos dos proprietários.

sonia.balasteiro@sol.pt