Clássico. A 1 de Dezembro? Apenas um desde 1640!

Só por uma vez Benfica e FC Porto se encontraram oficialmente no Dia da Restauração. Em 1981, para a primeira mão da Supertaça, na Luz. O Benfica venceu por 2-0, golos de Nené

É a Restauração.

Primeiro de Dezembro: agora já feriado outra vez.

Será um FC Porto-Benfica de Restauração, portanto, embora nos tempos que correm seja mais de restauração, com magotes de gente a demandar cafés e tabernas para espreitar o rectângulo mágico que nos traz as imagens.

Não é vulgar um Clássico no dia Primeiro de Dezembro, assim por extenso, muito patrioticamente desde 1640.

Aliás, desde 1640, FC Porto e Benfica, e aqui a ordem dos factores é arbitrária, encontraram-se por uma única vez no dia da Restauração.

Foi em 1981. Para a Supertaça. Primeira mão.

A segunda mão seria oito dias depois, também feriado, 8 de Dezembro, aqui muito católica apostólica e romanamente da Imaculada Conceição.

Foi uma Supertaça plena de vigor.

E com muito de surpreendente. Afinal, à derrota por 0-2 sofrida no Estádio da Luz, respondeu o FC Porto com um 4-1 nas Antas, e ficou com o troféu que se chama Cândido de Oliveira em homenagem àquele que foi um dos maiores cabouqueiros do futebol português.

Já lá vou; já lá vou.

Próxima sexta-feira, o tal Primeiro de Dezembro, já depois de amanhã, vejam bem como o tempo passa e está quase a fazer-se Natal, o FC Porto recebe o Benfica para o campeonato, jogo que parecia estar assim meio entregue aos bichos, com perdão da expressão, com os encarnados a correrem o risco de ficarem, em caso de derrota, a oito dolorosos pontos do primeiro lugar, e de repente a perceberem que uma vitória no Porto os colará de braço dado com o que tem sido, até ao momento, líder incontestado da classificação.

O tempo aqui volta para trás, como suplicava o António Mourão.

No dia 1 de Dezembro de 1981, entrava-se na disputa da terceira edição da tal Supertaça à qual muitos jornalistas da época torciam o nariz, considerando-a excessivamente pomposa para encaixar à trouxe-mouxe mais ou menos onde o calendário deixava um espaço livre.

O Boavista vencera a primeira; o Benfica vencera a segunda.

Na Luz, a equipa de Lajos Baroti, um dos homens mais educados que passou pelo nosso futebolzinho que dá à estampa tanta gente ordinária, tratou de fazer o seu pé de meia para a deslocação ao norte. Nené fez dois golos (7 e 30 minutos), a primeira parte das águias foi de estalo, João Alves, o Luvas Pretas fez dois daqueles passes muito dele após ajudas de Chalana, no primeiro, e José Luís, no segundo, e parecia destinado a conservar a taça ganha no ano anterior.

Não seria assim. Na segunda mão houve um tal de Jacques a virar o guião de pernas para o ar.

Gente fina

Eram equipas carregadas de gente final, esses Benfica e FC Porto de dia 1 de Dezembro de 1981. Ora veja-se, por uma questão de curiosidade histórica, como jogaram uns e outros: BENFICA – Bento; Veloso, António Bastos Lopes, Humberto Coelho e Álvaro; José Luís, Alves, Shéu e Chalana; Nené e Reinaldo. Depois entrariam os brasileiros César e Jorge Gomes, por esta ordem de substituições de Nené e Alves, mas pela ordem inversa de chegada ao clube, aliás com o sublinhado de terem sido os primeiros estrangeiros da história do clube lisboeta. FC PORTO – Fonseca; Gabriel, Simões, Freitas e Teixeira; Albertino, Sousa, Romeu e Costa; Jacques e Walsh. Lima Pereira rendeu Sousa ao intervalo. João Pinto entrou para o lugar de Teixeira a 15 minutos do fim.

A imprensa deixou elogios aos jovens Álvaro, Veloso e João Pinto.

Pois é: já todos fomos jovens!

O treinador do FC Porto era também um tipo educadíssimo: Herman Stessl, austríaco, que não foi propriamente feliz em Portugal mas deixou ficar a sua faceta de cavalheiro.

Escarafunchando na pilha dos jornais velhos, repesco umas linhas de Neves de Sousa: “Apenas no primeiro terço do jogo da Luz se assistiu a um bom espectáculo: conseguida a vantagem (à conta de uma defesa portista na qual apenas se salvou o guarda-redes Fonseca), o Benfica reposou e até permitiu, no período complementar, que viesse ao de cima uma uma rudeza portista que o árbitro António Garrido não conseguit submeter, mormente numa entrada de Freitas a José Luís que, em qualquer lado do mundo, seria digna de imediato cartão vermelho”.

Ah! Pois… Poderia ter razão o velho Neves de Sousa, mas não estávamos em qualquer lado do mundo nem o António Garrido era um árbitro qualquer.

Siga o jogo!

“Sintetizando: meia plateia assistiu, na Luz, a um terço de show digno de vinte valores. No restante, salvou-se a energia de alguns portistas, e a aplicação de jovens como Álvaro e Veloso, já que a entrada dos brasileiros para a rendição de Alves e Nené reduziu imediatamente o potencial encarnado”.

Notava-se a falta de Filipovic, Pietra e Carlos Manuel (de candeias às avessas com o treinador) de um lado, e de Rodolfo e Jaime Magalhães do outro.

Uma semana mais tarde, novamente terça-feira, novamente feriado, foi a fez de “Jacques o Estripador”: três golos (27, 65 e 70 minutos) na reviravolta por 4-1. Os outros golos ficaram por conta de Jorge Gomes (58m) e Costa (79m). O FC Porto conquistava a sua primeira Supertaça e daí para cá não pararia, tornando-se o grande açambarcador do troféu.

Muitos Clássicos entre FC Porto e Benfica se disputaram em Dezembro. Até no tal dia 8. Mas no dia 1, a papelada só regista este.

Desde 1640!