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Um eurodeputado conservador, Lajos Bokros, da Comissão de Orçamento do Parlamento Europeu (PE), resumiu com ironia a polémica em que esta semana me envolvi com um outro eurodeputado português, José Manuel Fernandes. Escreveu ele: «À luz da situação difícil em Portugal, é pelo menos estranho ver um português supostamente conservador lutar por mais dinheiro e…

este colega húngaro comentava a troca pública de missivas que mantive com o referido deputado do psd, responsável pelas «estimativas orçamentais para o parlamento europeu em 2012». o relatório em causa foi aprovado sem surpresa porque o arco central do pe tinha garantido o seu apoio ao texto. a novidade foi outra: 176 deputados rejeitaram o relatório, bem mais dos que seguiram a consigna de voto da esquerda unitária europeia, dos verdes e dos conservadores.

durante ano e meio, travei discussões nem sempre agradáveis sobre os vencimentos e mordomias dos eurodeputados. muitas vezes me senti a ’pregar no deserto’ quando falava dos voos em classe executiva ou do extraordinário arsenal de subsídios de que dispomos.

que ninguém me julgue mal. os deputados devem ter meios bastantes para trabalharem com competência técnica e política. além disso, detesto a conversa antipolíticos, como se estes constituíssem uma classe social que teria, geneticamente, a propriedade da incompetência ou da corrupção. foi, por isso, em plena consciência que lancei um apelo aos meus colegas, chamando a atenção para um relatório «onde estava em causa a decisão em benefício próprio».

o relator teve a delicadeza de responder ao meu apelo. «o pe não é legalmente competente para decidir sobre a adaptação anual dos salários dos eurodeputados», sustentou. este ponto de vista legalista baseia-se num parágrafo dos tratados onde está escrito que «o pe estabelece o estatuto e as condições gerais do exercício das funções dos seus membros, após parecer da comissão». eis o pedacinho de verdade de uma boa e útil mentira. na verdade, o nosso salário decompõe-se em vencimento propriamente dito, ajudas de custo diárias, subsídios de tempo e distância e ainda um subsídio mensal para despesas gerais. com excepção do vencimento, todas as outras partes são anualmente fixadas pela mesa do pe e podem ser modificadas por decisão do plenário.

os resultados parciais foram ainda mais surpreendentes do que o voto final. a emenda relativa às viagens obteve 216 votos – propunha que os deputados viajassem em económica, salvo motivos de força maior. uma das emendas que propunham o congelamento de salários e mordomias chegou aos 226 votos. mais de 70 liberais e socialistas furaram a consigna de voto do ‘bloco central’. só mesmo o ppe (onde estão psd e cds) se manteve coeso na defesa dos privilégios. ainda não foi possível impor tino e bom senso, mas o unanimismo acabou. afinal, é assim tão estranho que a direita defenda as mordomias e seja a esquerda que luta por contas certas?