COP26. A cimeira onde se apostava tudo virou falhanço

Os países desenvolvidos não têm grande vontade de pagar pelos estragos das suas emissões, a Índia e China bloquearam o fim dos combustíveis fósseis como meta. “Glasgow soube a pouco”, assume Francisco Ferreira, da Zero.

Entre cientistas, ambientalistas e até políticos mais capazes de admitir o fracasso, há um crescente consenso de que a COP26, em Glasgow, foi um fracasso. Após duras discussões, ao longo da última semana, houve alguns avanços nos compromissos feitos por diversos países, mas o resultado geral ficou bem aquém do objetivo de obter metas até 2030 que permitam não ultrapassar os 1,5 ºC de aquecimento do planeta, estimando-se que, em vez disso, estejamos rumo a um aumento de pelo menos 2ºC, com potenciais consequências desastrosas. Isto se as metas foram cumpridas – a verdade é que estes acordos em vigor não só se baseiam em compromissos voluntários, como não possuem qualquer mecanismo de responsabilização de países infratores. 

Claro que há quem negue o que para outros é evidente. “Mantivemos o objetivo dos 1,5ºC vivo e fizemos enormes progressos no carvão, carros, dinheiro e árvores”, assegurou o anfitrião da COP26, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, no Twitter. “Olharemos para trás, para a COP26, como o momento em que a humanidade finalmente começou a levar a sério as alterações climáticas”.

Para a maioria dos analistas, isso simplesmente não bate certo com a realidade. “Glasgow soube a pouco. Não atingiu o que se propunha”, admite ao i Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, que esteve presente nesta cimeira, desdobrando-se em encontros e reuniões, ecoando o sentimento geral. 

É uma sensação de desânimo recorrente, a que já nos habituámos, COP após COP. Aliás, após a última, que teve palco em Madrid, em 2019, o próprio secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, mostrou-se publicamente “dececionado”, apelando num tweet a quem quer combater as alterações climáticas para que “não se renda”. 

Ainda assim, houve alguns pontos positivos, ressalva o presidente da Zero. “Houve decisões importantes que foram tomadas”.. “Conseguiu-se introduzir a ideia de acabar com os combustíveis fósseis, em particular o carvão”, exemplifica Francisco Ferreira. Até aqui, tudo bem, ótimo.

“Depois houve um recuo da China e da Índia, no final”, lamenta o ecologista. “E os outros disseram ‘que remédio’, senão não havia qualquer acordo. E falou-se na redução do uso de carvão, em vez de acabar com o uso de carvão na produção de eletricidade. Quando nós sabemos que este é o combustível que mais produz emissões de gases com efeito de estufa”.

Aqui, mais uma vez vemos os três grandes blocos que se digladiaram na COP26, tendo grande dificuldade em chegar a consensos mais alargados.

Generalizando, de um lado estavam China e Índia, economias pujantes, que têm entre si mais de um terço da população mundial, que têm muito que crescer, e pretendem usar combustíveis fósseis mais uns anos. Ou seja, querem gozar dos benefícios que historicamente tiveram países desenvolvidos no bloco europeu, bem como os Estados Unidos – que, sob direção de Joe Biden, pretendem liderar a carga no combate às alterações climáticas – e o Canadá.

Já a Austrália é definitivamente o patinho feio deste grupo, mantendo as mesmas metas de 2015. Aliás, se as metas do resto dos países fossem equivalentes, estima-se que isso nos levaria a um aumento de 3 ºC, uma catástrofe difícil de imaginar. 

Depois sobra o outro bloco, com o grosso dos países em desenvolvimento, bem conscientes de que o pior do aquecimento global os vai afetar a eles. Não têm grandes fundos para a transição verde, e querem que os países desenvolvidos paguem pelos estragos que fizeram ao nosso planeta para se desenvolver.

Esta última exigência foi uma área em que a COP26 ficou muito aquém das expectativas. Chegou a estar em cima da mesa a ideia de que os países mais ricos pagassem reparações por furacões, secas ou eventos climatéricos agravados pelas alterações climáticas, mas rapidamente foi posta de lado.

Há muito que a promessa dos países desenvolvidos é de pagar anualmente 100 mil milhões de dólares (o equivalente a quase 90 mil milhões de euros) pela transição verde em países mais pobres, bem como a preparação para enfrentar as inevitáveis consequências do aquecimento global, Mas, mais uma vez, ficou por decidir exatamente que países vão pagar o quê.

Isto quando as estimativas para os custos os impactos das alterações climáticas já andam pelos biliões de dólares. “É difícil confiar”, lamentou Andrea Meza, ministra do Ambiente e da Energia da Costa Rica, um dos países que tem mais a perder, citada pela DW. “Mas, no fim de contas, precisamos de continuar a fazer pressão”, apelou. 

Talvez um dos pontos mais positivos da COP26 seja, de certa maneira, uma admissão do seu falhanço. Pode ser visto o proverbial chutar para canto, ou seja, o alargamento por mais um ano da possibilidade de haver compromissos para reduzir as emissões. “A essência desta conferência era garantir que não se ia subir acima dos 1,5 ºC. Esse era o principal objetivo”, assume Francisco Ferreira. “E esse objetivo falhou”.