Desastres

As sondagens valem o que valem, mas transcrevo algumas conclusões desta (1), realizada no fim de 2013 pelo Pew Research Center, sobre as atitudes dos norte-americanos em relação à política externa de Washington: a maioria dos inquiridos (80%) acha que os Estados Unidos devem concentrar-se nos problemas domésticos – «ocupar-se dos próprios assuntos e deixar…

Para esta maioria, as prioridades são proteger a América de ataques terroristas, preservar empregos, evitar a proliferação de armas de destruição maciça, reduzir a dependência energética e combater o tráfico de drogas. Objectivos ideológicos, como os direitos humanos, a democracia no mundo ou o combate ao aquecimento global, aparecem como pouco ou nada importantes.

Em relação ao Médio Oriente, entre «mais democracia e menos estabilidade» e «menos democracia e mais estabilidade», 69% optam pela segunda fórmula – o triplo dos que escolhem a primeira (23%).
A sondagem reflecte algum neo-isolacionismo e cepticismo perante os grandes objectivos transnacionais, num espírito que lembra o síndroma pós-Vietname e a desconfiança crítica em relação à retórica do internacionalismo ideológico de George W. Bush e da invasão do Iraque (que hoje 44% consideram uma decisão errada, contra 41% que a consideram certa).

Obama também não terá feito melhor: o facto de um movimento radical, o ISIL, ter posto em debandada um ‘exército iraquiano’ que custou algumas dezenas de biliões de dólares à América, mostra não só o erro dos neoconservadores, mas também a incapacidade da actual Administração de assegurar uma retirada em boa ordem.

No Iraque, depois da modelar campanha militar de 2003, a estupidez de Paul Brenner conseguiu desmantelar, por preconceito ideológico, o Exército e a Administração iraquianos: foi sobre este vazio e contra a perseguição que se articulou a resistência dos sunitas. Só a notável acção militar psicológica do general Petraeus junto das tribos, em 2007, virando-as contra a al-Qaeda, permitiu pacificar a região. 

Obama chegou e declarou que ia deixar o Iraque, «a guerra má», e concentrar-se na «boa guerra» do Afeganistão, onde triplicou as forças americanas para 100 mil homens, anunciando, entretanto, que estas também sairiam em 2014… 

No Iraque, o Governo de al-Maliki pôs em causa a acção de Petraeus, perseguindo os sunitas e lançando-os nos braços dos radicais. Obama não soube negociar a presença de uma força militar americana no Iraque, optando por exigir a Maliki a aprovação parlamentar para essa força de transição. Com os americanos de partida, o Iraque caminha para a fragmentação ou para a guerra civil, enquanto no Afeganistão, os talibãs se preparam para tomar o poder. 
Desastres. 

(1) Citado em The American Interest, Maio-Junho 2014, pp 30 e segs.