Legislativas2022. Confinados decidem eleições

Há mais de 1,2 milhões de portugueses em confinamento e mais de 900 mil são eleitores que, mesmo infetados, podem ir votar no domingo. Ou não. E que efeito podem provocar nos restantes eleitores? São duas incógnitas que podem influenciar de forma decisiva o resultado das eleições deste domingo.

As estimativas são de que no próximo domingo haja 1,2 milhões de portugueses em isolamento. Nem todos terão idade para votar, mas os dados da Direção-Geral da Saúde (DGS) permitem perceber que as camadas mais jovens são as que têm tido mais testes positivos e representarão a maioria das pessoas em isolamento profilático. Esta quinta-feira havia cerca 558 mil casos ativos no país e 573 mil contactos em vigilância (pessoas que oficialmente estão em isolamento). A idade dos contactos em vigilância não é possível saber, mas nos casos ativos é notório o peso da população abaixo dos 50 anos, que representa 81% dos novos casos de covid-19 diagnosticados no país.

Nos últimos sete dias, houve 383 mil portugueses a testar positivo para a covid-19. Destes, cerca de 130 mil são crianças e jovens até aos 19 anos, pelo que cerca de um terço dos infetados não tem idade para ir votar. A população entre os 19 e os 49 anos tem representado 48% dos novos casos, ao passado que a população acima dos 50 anos representa 18%. Se estes são os dados oficiais, é previsível que muitos mais tentaram contactar o SNS para comunicar a sua situação, seja de positivos ou de contactos com infetados, e que não estão nas estatísticas. 

Extrapolando estes números dos últimos setes dias para o total nacional, podemos dizer que do milhão de eleitores confinados, era suposto que 45% se abstivesse de votar, seguindo os dados das últimas legislativas e excluindo os votos dos emigrantes, que engrossaram os cadernos eleitorais em mais de um milhão de eleitores. E aqui, continuando a seguir a metodologia dos estudos de opinião, dos confinados sobram 550 mil votantes, atendendo à suposta abstenção. Como 100 mil terão mais de 50 anos – o eleitorado supostamente mais conservador, que não gosta de mudanças –, o PS poderá sair como o partido mais prejudicado por causa da pandemia, atendendo a que os 450 mil votantes com menos de 50 anos é o eleitorado que mais apela a mudanças e que costuma estar mais imune aos confinamentos. Para onde irão esses votos é uma pergunta de um milhão de dólares, mas a pandemia poderá castigar mais o PS.

Mas a verdade é que ninguém pode antecipar como irá comportar-se no domingo esta enorme franja do eleitorado.

PS à frente, mas PSD espreita surpresa

Neste cenário, todas as previsões podem vir a falhar no dia D.

«Eu espero que o PS vença as próximas eleições e que tenha a responsabilidade da chefia do Governo. Agora, ninguém está em condições de poder prever o que é que se passa, quer o PS vença, quer não vença. Ninguém pode fazer previsões sobre essa matéria, porque estará tudo muito condicionado pelos resultados que saírem das urnas no domingo à noite», as declarações do socialista João Soares ao Nascer do SOL espelham bem o clima de incerteza que se vive em praticamente todos os partidos.

Apesar de os estudos e indicadores mais recentes, publicados ou internos dos partidos, apontarem para uma vantagem de alguns pontos percentuais para o PS, a verdade é que ninguém arrisca traçar com um mínimo grau de certeza qual o quadro parlamentar e de Governo que sairá das urnas.
Por um lado, se a vitória do PS é mais provável, ninguém exclui a hipótese de uma surpresa ‘à Moedas’, como nas últimas autárquicas em Lisboa.

Por outro lado, o equilíbrio é ainda maior quando se tem em consideração os blocos de Esquerda (PS/BE/PCP/Livre) ou de Direita (PSD/IL/CDS/Chega), com o PANna charneira.

Ouvido pelo Nascer do SOL, o  politólogo Jaime Nogueira Pinto considera muito pouco provável que saia das eleições de domingo uma maioria de Direita. «Portugal é e continuará a ser o país mais à esquerda da Europa, graças a uma opinião pública e publicada cujos termos ainda dominada pela cinquentenária mitologia ‘antifascista’», começou por afirmar Nogueira Pinto, defendendo que a mesma «passou da veneração do esquerdismo marxista para o politicamente correto».

«Os partidos da direita – a direita conservadora do CDS e a direita nacional e popular do Chega –, ainda por cima desunidos, não terão a representação parlamentar e a influência que as direitas hoje têm em toda a Europa». prevê Nogueira Pinto, que apontou o dedo à «real (ou fabricada pelas sondagens) proximidade dos dois partidos do Centrão – PS e PSD» como um dos fatores que «vai roubar votos aos partidos mais à esquerda e mais à direita».

Desta forma, afirma o politólogo, não se antevê «nenhum Executivo estável». «Ao não haver maioria absoluta, que parece afastada, só a teria um Governo do Bloco Central, que não creio que os respetivos líderes arrisquem», continuou Nogueira Pinto, explicando que, à esquerda, «poderá voltar-se a uma modalidade de geringonça». Já à direita do PS, «as repetidas linhas vermelhas, que a esquerda ditou – e que o PSD e os outros partidos ‘para a direita’ aceitaram – inviabilizam também uma maioria estável alternativa».

Em jeito de conclusão, Jaime Nogueira Pinto augurou: «Não creio que haja quaisquer alternativas significativas antes de uma rutura cultural e ideológica clara».

Já Rodrigo Moita de Deus, que começou por apontar a eventual dominância do PSD e do PS como um dos elementos mais ‘engraçados’ – ironia incluída – destas eleições. «É muito engraçado. Para já, aquilo que as sondagens nos dizem é que vamos ter entre 208, 212 deputados dos dois partidos. Quer dizer que sobram 20 deputados por sete partidos. E é muito engraçado porque nós ligamos a televisão ou abrimos o jornal – muito por causa das regras – e parece que damos uma importância mediática aos outros partidos todos que eles, na realidade, depois não conseguem traduzir em votos», declarou o empresário, utilizando o exemplo para deixar um apelo aos eleitores: «Isto é qualquer coisa que nos devia fazer refletir até por causa do funcionamento do sistema». 

«Damos demasiado tempo de antena a partidos e a assuntos que depois não conseguem traduzir isso em votos. Na prática estamos a falar em quase 70% de votos nas mãos do PS e do PSD e passamos a vida a discutir propostas do IL ou do Bloco ou do PAN, em vez de aprofundarmos ainda mais o debate à volta das propostas dos outros partidos», ataca Moita de Deus, acusando uma ‘inflação’ artificial da importância de outros partidos e movimentos, que, diz, «não é democrático».

Moita de Deus pede ‘entendimento’ aos dois partidos que, augura, poderão ocupar 70% do Parlamento. «Isto é um recado do país para que eles se entendam, e se eles não ouvem este recado, então teremos um Governo curtíssimo», disparou. «Quando 70% do eleitorado vota desta forma em dois partidos, é mais do que óbvio o que país quer. É que eles se entendam os dois. Não me parece que seja possível mas a estabilidade depende disso. É um recado, acho que, noutra linguagem é: acabem com a chalupice», concluiu.

Falando sobre uma eventual ‘reedição’ da geringonça, o empresário não afastou essa hipótese, dizendo que «até pode resultar». Ainda assim, há uma pedra no sapato desta hipótese: «Será sempre um Governo de vistas curtas. Não está na natureza do PS ir tão longe quanto o Bloco ou o PCP gostariam». «É um Governo curto, de um ano, dois anos», concluiu. 

*com Daniela Soares Ferreira, Marta F. Reis e Vítor Rainho