Liberdade! A festa dos abaixo de cão

Representam povos, nações, minorias, jogam um futebol livre e organizam um Campeonato do Mundo de dois em dois anos: são a CONIFA.

Metabelalândia,e Sara Ocidental, da África, e Délvidék e Karpatalya, da Europa, são os novos membros de uma organização que tem como lema: «Every undergod has its day!». Fundada no dia 7 de junho de 2013, a CONIFA é, por assim dizer, a FIFA dos excluídos. Engloba representações de povos, regiões, nações e países que se auto-proclamaram independentes mas não são internacionalmente reconhecidos. E organiza, de dois em dois anos, um Campeonato do Mundo de futebol. O Condado de Nice e a Abcázia foram os campeões, respectivamente em 2014 e 2016.

São 42, os membros desta curiosíssima federação. Vão desde o Ellan Vanin, o nome da Ilha de Man em manx, língua da região, conhecida pela ‘Equipa das Três Pernas’, ao Principado do Mónaco, das Ilhas Ryukyu, com capital em Okinawa, ao Tibete e à Ossétia do Sul. Tal como acontece com o futebol oficial – e por que não será este também oficial? – existe um ranking baseado nos resultados das seleções. A Occitânia comanda, com 1432 pontos. Seguem-se o Panjab (1412) e o Chipre do Norte (1409).

Confuso? Talvez não

De vez em quando, ao passar os olhos por esta lista, deparamos com nomes que costumam estar na crista da onda dos noticiários internacionais. O Darfur United engloba os refugiados da região e membros das Nações Unidas que se estabeleceram naquela zona do Sudão desde o início da guerra em 2003. O Nagorno-Karabakh, enclave do Cáucaso, entre a Arménia e o Azerbaijão, já declarou a sua própria independência. O Tibete teima em querer assumir a sua identidade e a seleção é constituída pela grande diáspora tibetana na Índia, sobretudo concentrada em Dharamsala.

Kiribati, um arquipélago de 33 ilhas de coral, é o único membro da Oceânia. É uma república independente mas que reclama a liberdade de defrontar outro tipo de independentes: aqueles que se sentem mais livres do que o mero rabiscar de fronteiras.

A Cascadia, região dividida entre o Canadá e os Estados Unidos, reclama uma entidade cultural separada dos dois países, com raízes no_Oregon, Washington e Colúmbia Britânica. O Quebeque não precisa de apresentações. A sua equipa de futebol surgiu pela primeira vez em Junho de 2013, no Torneio Internacional dos Povos e das Culturas. ficou em terceiro lugar, atrás do Curdistão e da Provença.

Da Metabelalândia já falámos: aglomera as etnias dos Ndebele, Tonga,_Kalanga e Venda que vivem no oeste do Zimbabué, entre os rios Limpopo e Zambézia. ASomalilãndia, uma região da Somália, declarou a soberania em 1991 mas nenhum país a reconheceu. Em África há ainda o Barawa, igualmente na Somália, uma cidade portuária cujos povos, os Tunni e os Bravaneses, falam línguas próprias: o af-tunni e o chimwinni. Há sempre um bom motivo para reclamar espaço na CONIFA. E há que dizer que parece estarmos perante uma espécie de albergue espanhol, que tem lugar tanto para a Gronelândia, região autónoma da Dinamarca, como para o Felvidék, uma pequena província montanhosa da Hungria; para a Raetia – que junta partes do este e centro da Suíça, sul da Bavária, a Alta Suábia, o Voralberg e uma boa porção do_Tirol –, ou para a Transnistria, igualmente conhecida por Pridnestrovie, estado que se declarou livre em 1990 mas que a Moldávia continua a assumir como dentro das suas fronteiras.

Um estranho mapa

Se nos debruçamos um pouco sobre a Europa, continente que tem o grosso das seleções que fazem parte da CONIFA, encontramos uma interessante diversidade de situações. A Helgolândia é a única ilha alemã que fica longe da costa e vive do turismo germânico e dinamarquês. Entre 1807 e 1890, pertenceu ao_Reino Unido e foi um polo importante durante as I e II Grandes Guerras. A Occitânia, ou o País dos Ocs, sempre teve um conceito cultural e linguístico muito próprio na zona que se aproxima dos Pirenéus franceses. Sapmi engloba a Lapónia e o povo sami. A Franconia são os distritos reunidos da Alta, Baixa e Média Franconia, na Bavária, com um dialecto particular. A República Popular de Luhansk, a República Popular de Donestk situam-se na Ucrânia e conservam ideais independentistas, contra a força do poder do governo ucraniano. O Povo Romeno é um Estado pária – não tem território mas junta os emigrantes romenos da Europa e das Américas. A Padania espalha-se por várias regiões de Itália com ligações ao vale do rio Pó. O Condado de Nice baseia-se na zona do sul de França que, de 1388 e 1860, pertenceu à República do Piemonte e da Sardenha.

Talvez um dia, a Madeira, Porto Santo, São Miguel, Terceira ou o Pico resolvam pedir a sua admissão à CONIFA. Seria a oportunidade de Cristiano Ronaldo jogar num Mundial especial. Defrontariam as Ilhas de Chagos, um atol no Oceano Índico, ou os Coreanos Unidos do Japão, também chamado de Zainichi. Ou ainda o Tamil Eelan, três milhões de tamiles rebeldes do Sri Lanka, a incomparável Taprobana.

No dia 28 de Janeiro de 2017, em Genebra, a CONIFA reunir-se-á em Assembleia Geral. Preparar-se-ão novos torneios, o Campeonato do Mundo de 2018, e continuarão a abrir portas a «representantes de países, nações, nações-de facto, regiões, minorias e territórios isolados». Eles sabem bem que o futebol reúne o mundo e fá-lo ainda mais redondo.