Mentiras

A 23 de Março Vítor Gaspar dizia, em entrevista ao Sol: «Não prevejo mais medidas de austeridade este ano».

poucos dias depois, em conferência de imprensa na sequência de uma reunião do conselho de ministros, reiterava: «não aprovámos mais medidas de austeridade».

a afirmação foi prontamente desmentida com o anúncio da suspensão dos pedidos de reforma antecipada para os funcionários das empresas privadas e novas reduções dos direitos laborais, que levaram a ugt a ameaçar rasgar publicamente o acordo com o governo, dado que este não o cumpria. argumento para a mentira: evitar uma corrida às reformas antecipadas.

isto significa um total desrespeito pelos eleitores aos quais o governo deve o serviço da governação. não há economia nacional que cresça na base de mentiras: os vícios de aldrabice instaurados nos mercados internacionais levaram o mundo à hecatombe financeira de que estamos a sofrer as consequências.

não há ética que possa sobreviver à mentira. há dias, uma criança perguntava: «se os ministros podem mentir, por que é que eu não posso?». gostaria que passos coelho e vítor gaspar me dissessem como responder a esta criança.

esta semana, o governo criou novos limites para as indemnizações por rescisão amigável nos contratos dos funcionários públicos: 20 dias de salário por cada ano de serviço até ao máximo de 12 salários.

quem tenha trabalhado 20 anos para o ‘bem público’ vê 8 deles serem pura e simplesmente apagados. ao mesmo tempo, assiste à desvergonha da cartinha do conselho de administração do serviço público de televisão, reclamando um «regime de excepção» salarial que lhe permita continuar a ganhar mais do que o presidente da república.

enquanto a classe média empobrece, os privilegiados enriquecem. ninguém nos explica por que é que os direitos dos trabalhadores podem ser amarfanhados e as parcerias público-privadas não podem ser denunciadas.

nem por que é que o bpn tem de ser salvo com os milhões extirpados a quem nada tem. em vez das respostas, repetem-nos, como se fôssemos todos tolinhos, que não há alternativa.

mentira: os milhões que se arrecadariam na cessação destes ruinosos negócios estatais evitariam muita miséria a portugal.

a austeridade cega aumenta a recessão – sobretudo quando, como é o caso, se trata de austeridade selectiva, que poupa os ricos e sobrecarrega os pobres.

esta semana, o vice-presidente do cds, artur lima, disse: «ainda não vi poupança a sério no governo central». e acrescentou esta coisa óbvia: que as declarações contraditórias entre ministros causam «ansiedade». e a ansiedade não cria inovação nem desenvolvimento económico – muito pelo contrário. abram os olhos enquanto é tempo.

inespedrosa.sol@gmail.com