Revolução

Como se vê em relação ao Egipto, para os mercados uma ditadura, enquanto dure, é sempre preferível à incerteza democrática.

1.aprendi de pequenino que as revoluções ocorrem quando os de baixo já não aguentam e os de cima deixaram de poder. parece simples, mas não é. tais ocasiões não ocorrem todos os dias.

2. vários comentários a mensagens que tenho colocado no facebook a propósito do levantamento árabe dizem que «devíamos fazer o mesmo em portugal». este tipo de desabafo terá boas razões, mas não a evidência da dita. no sul do mediterrâneo, a forma da política é a revolução porque a opressão impedia que a luta contra a injustiça se pudesse manifestar através da palavra e do voto. não basta um regime autoritário para que ocorra a revolução. é preciso que ele esteja decrépito e que o povo tenha perdido o medo. mas não há revolução sem opressão e repressão.

3. os países têm histórias particulares e estas acabarão por influenciar o destino dos levantamentos populares. mas esta revolução é árabe e desenvolve-se por contágio. estamos a assistir a um sismo sem fronteiras e que reabilita um mundo oprimido aos olhos de si próprio e dos outros. não é o twitter, o facebook ou a internet que marcam o dia e a hora das revoluções. isso é ‘conversa florida’. a revolução tunisina e o levantamento egípcio são antigos, do tempo dos regimes autoritários e da pobreza extrema; e são modernos, de um capitalismo que produz desemprego de massa entre os jovens qualificados e, por isso, mais informados. esta a força motriz de uma revolta feita revolução.

4. há anos, a conselheira de estado de bush filho, condoleezza rice, referiu-se às dores de parto do nascimento de ‘um novo médio oriente’. este era o projecto estratégico que os ocupantes do iraque levaram na bagagem. não deixa de ser irónico que a promessa democrática dos invasores esteja finalmente a nascer, mas pela vontade dos povos.

se as praças vencem na tunísia e no egipto, elas contaminarão, de um modo ou de outro, todos os países árabes. eis o que está longe de ser uma notícia tranquilizante para a administração norte-americana e para os governos da união europeia. ao longo de décadas, preferiram os negócios à democracia e os ditadores aos pobres. agora, é tempo de contas à vida.

5. o egipto é um país nuclear. decisivo no conflito israelo-palestiniano, tem ainda peso bastante para influenciar o curso dos preços em mercados estratégicos para o ocidente. não é por acaso que a standard & poor’s, depois da moody’s, baixou as notas atribuídas à dívida egípcia, resumindo assim a sua posição: «do nosso ponto de vista, a instabilidade política e as perturbações vão arrefecer o crescimento económico do egipto e afectar as suas finanças públicas». os ditos mercados não têm estados de alma. para eles, uma ditadura, enquanto dure, é sempre preferível à incerteza democrática.