Velocidade braço de ferro na capital

O Livre, com votos favoráveis do PS e do BE e a abstenção do PCP, aprovou a redução em 10 km/h em todas as vias de Lisboa e o encerramento da Avenida da Liberdade aos domingos. Moedas vai colocar a oposição em frente aos moradores e comerciantes para dizerem se querem que as novas regras…

As mudanças no trânsito em Lisboa, que foram propostas pelo Livre e aprovadas pela oposição numa reunião privada do executivo municipal liderado por Carlos Moedas (PSD), que governa a Câmara de Lisboa sem maioria, têm vindo a gerar burburinho e contestação nos últimos dias. Agora a Câmara prepara-se para contra-atacar e promete levar o assunto a reunião de Câmara, onde estarão os lisboetas presentes, aguardando que o Livre, PS e BE, os partidos que viabilizaram a proposta, digam se querem que a mesma entre em vigor, tal como foi aprovada, ou se acedem a estudos sobre a viabilidade da mesma, proposta que o PCP tinha apresentado aquando da votação.  Recorde-se que a iniciativa do Livre – e que contou com os votos contra do PSD/CDS e com a abstenção da CDU – é intitulada ‘Contra a guerra, pelo clima: proposta pela redução da dependência dos combustíveis fósseis na cidade de Lisboa’, obrigando à redução em 10 km/h da velocidade máxima permitida e ao encerramento ao trânsito automóvel da Avenida da Liberdade aos domingos e feriados. Mas o Livre já disse ao diário i que a ‘bola’ está do lado da câmara que terá de ver a viabilidade das regras aprovadas.

 Depois da aprovação forma muitos os especialistas que se manifestaram contra esta decisão «cega» que não distingue o que é preciso fazer para diminuir a sinistralidade na capital, além de reduzir a poluição. E com a redução «cega», repita-se, há estradas que vão ser um verdadeiro inferno para os automobilistas. «Quem é que vai conseguir, por exemplo, descer a Avenida Calouste Gulbenkian a 30 km/h?», questiona um especialista em Mobilidade.  «É uma verdadeira caça à multa, e pode infernizar a vida a todos, pois o trânsito vai ficar mais compacto, provocando muito mais poluição no pára-arranca», acrescenta a mesma fonte.

ACP avança com providência cautelar

A Associação Avenida da Liberdade, liderada por Pedro Mendes Dias, não avançará com qualquer diligência judicial, ao contrário do Automóvel Clube Portugal (ACP), que terá entregue, esta semana, uma providência cautelar contra estas alterações, por pretender aguardar. «O ACP optou por essa via, mas nós vamos esperar pelo resultado das conversações, até porque temos de enquadrar este processo do ponto de vista jurídico», explica o dirigente em declarações ao Nascer do SOL.

«Falta estudar de forma mais aprofundada todos os tópicos e discuti-los internamente. Não digo que não possa acontecer, mas, para já, vale mais esperar. No entanto, conto estar com o ACP em breve», avança o proprietário do Valverde Hotel que, na passada terça-feira, declarou à agência Lusa que o encerramento da Avenida da Liberdade aos domingos e feriados terá um impacto negativo, compreendido entre 18 e 20%, na atividade económica na avenida e, acima de tudo, no emprego.

«Se tivermos em conta os 52 domingos mais alguns feriados, corresponde mais ou menos a 20%. Houve um debate se seria mais ou menos, porque em algumas atividades, como as salas de espetáculo, é superior. Dizer 18 a 20% parece-nos uma estimativa realista», acrescenta, adicionando que, atualmente, a associação tem aproximadamente 50 associados de lojas, hotéis, empresas, escritórios de advogados e outros negócios.

«A associação tem estado a crescer nos últimos dois anos, temos cada vez mais adesão, porque se sente a necessidade de haver representação», frisa, confirmando que a reunião com o presidente da autarquia, Carlos Moedas, que decorreu no início da semana, «correu bem». «Há uma coincidência de visão relativamente a esta iniciativa», diz, não esquecendo que esta «careceu totalmente de algo com os atores da avenida, de estudos e apoio de peritos e especialistas de áreas como a mobilidade, que permitam levar a uma decisão tão importante quanto esta». 

«Foi também um momento de partilha de aspetos sobre o futuro da avenida porque estamos muito interessados em que aconteçam melhorias na avenida porque não se verificam há muitos anos. Frequento a avenida há 40 anos e nunca vi nenhuma intervenção de fundo», indica, sendo que, esta sexta-feira, Moedas anunciou que vai avançar com uma consulta pública sobre o fecho ao trânsito da Avenida da Liberdade aos domingos e feriados e estudos dos impactos desta medida apresentada pelo Livre.

Para Carlos Moedas, «uma medida, mesmo aprovada, tem de ter consistência em termos de cabimento económico e de impacto ambiental», notou, realçando que «um presidente da câmara tem de defender os cidadãos». Para além disso, o autarca disse que também vai pedir estudos dos impactos da medida, vincando que a Ordem dos Engenheiros já manifestou disponibilidade para prestar auxílio nesta avaliação, e vai ouvir ainda aos comerciantes e residentes na zona, como a Associação apela.

«E depois, baseado nisso, poderei ou não tomar essa medida, depois de ter um sustento em termos de dados. Não podemos continuar a fazer política por instinto, isto tem de ser estudado», apontou Carlos Moedas aos jornalistas durante o evento da apresentação das Festas de Lisboa de 2022. Na ótica de Moedas, como presidente da Câmara tem «o direito de pedir os estudos que sustentam essa medida».

«E enquanto não tiver esses estudos penso que a sociedade lisboeta estará comigo, [na decisão de] que não posso implementar uma coisa que não tem sustento em termos numéricos, nem de dados, nem de impacto», sustentou, indo ao encontro da perspetiva de Pedro Mendes Dias. «Tem de se estudar a mobilidade, os passeios, os lugares de estacionamento, os jardins e a qualidade paisagística… Ficamos satisfeitos por ver que há esse interesse».

«Inclusivamente, estão a desenvolver estudos que nos vão apresentar e, em conjunto, encontrar formas de desviar trânsito da avenida, evitar que aquelas perpendiculares descarreguem tanto trânsito na mesma em benefício da fluidez, de situações de engarrafamento, etc.», destaca, não ocultando que ficou, à semelhança dos restantes moradores e empresários, «estupefacto» com a proposta.  «Acredito que vamos acabar por não implementar esta medida. Já pedimos audiência aos vereadores que votaram a favor desta iniciativa, e ao próprio Livre, mas ainda não tivemos resposta. E nunca fomos consultados anteriormente». 

«Se existe uma associação da avenida, é para criar precisamente uma entidade de diálogo para situações como esta», critica. «Estranhámos porque não antevíamos isto. Principalmente, depois de dois anos de crise profunda. Foi uma decisão muito precipitada: não sei com que intuito. Estas coisas merecem outro respeito. Todos aqueles que empregam e criam riqueza têm de ter um quadro estável para desempenharem as suas funções», afirma, alinhando-se, novamente, com Moedas.

«Ninguém se perguntou quanto custa fechar a Avenida a Liberdade», disse ontem o presidente, ao apontar que a mobilização de polícia ou a colocação de barreiras para fechar o trânsito, por exemplo, tem um custo. «Os lisboetas vão querer saber quem é que paga. Pagam eles e, portanto, se pagam eles, têm de ter uma palavrinha antes dos políticos», indicou.