Crianças assaltam no multibanco

Um grupo de crianças, ciganas de nacionalidade romena, espera junto a um semáforo. Uma mulher sozinha dirige-se ao multibanco e marca o código. De repente, vê-se rodeada de raparigas que não têm mais de 12 ou 14 anos. Enquanto uma das meninas lhe tenta vender o Borda D’Água, tapando o teclado da máquina, outra carrega…

A cena repete-se todos os dias na Avenida Columbano Bordalo Pinheiro, em Lisboa. Numa rua com vários bancos, junto ao Instituto Português de Oncologia e a poucos metros da Direcção de Combate ao Banditismo da Polícia Judiciária, é fácil encontrar quem já tenha sido vítima deste truque.

Andreia (nome fictício) foi alvo de uma tentativa de assalto há duas semanas. «Fui abordada por uma miúda que se fez passar por surda-muda», conta a técnica de um laboratório de análises, que confessa não ter dado por nada. «Foram dois senhores que estavam atrás de mim para usar o multibanco que se aperceberam e impediram as raparigas de fugir com os 200 euros que já me tinham tirado da conta».

Natalina Martins, dona de um café na zona, já conhece de vista as crianças que se dedicam a este esquema. «Eu e o meu marido já chamámos a Polícia umas duas ou três vezes, mas as miúdas voltam sempre a aparecer aqui na rua». Natalina explica que «ainda na semana passada, apanharam uma com os 200 euros de uma senhora que foi assaltada». Mas «a Polícia disse que não havia como provar que o dinheiro era dela e a miúda ficou com ele».

Maria Oliveira já viu dois assaltos deste tipo da janela do escritório onde trabalha. «A técnica é sempre a mesma: enquanto uns distraem a pessoa que está no multibanco, há um que carrega na tecla de levantamento e foge».

Muitas vezes, a vítima só percebe que foi roubada quando consulta o saldo bancário. Foi o que aconteceu a Paula Figueiredo, às três da tarde em plena Avenida da República, em Lisboa. «Fui rodeada por miúdos que não tinham mais de seis ou sete anos, quando estava a pagar umas contas». Paula afastou os rapazes «à bengalada, com o guarda-chuva», e pensou que se tinha livrado do pior. Mas não tinha. «Quando vi o extracto, percebi que me faltavam 200 euros».

Polícia diz que esquema é usado em todo o país

A PSP admite conhecer o esquema, que diz ter sido já «alvo de diversos relatórios internos», mas não adianta números sobre queixas.

Contactado pelo SOL, o Comissário Paulo Flor revela que esta táctica de assalto tem sido usada um pouco por todo o país desde 2006: «O que temos verificado é que este fenómeno é nacional. Ainda há pouco tempo, foram interceptadas pela PSP duas menores estrangeiras em Torres Vedras que se dedicavam a estes assaltos». Além da técnica, o perfil dos criminosos é sempre o mesmo: «Os suspeitos são todos estrangeiros e menores de idade».

Paulo Flor deixa, por isso, um alerta: «Quando verificarem a presença de grupos de menores estrangeiros, a divagar pela rua e a pedir, devem ligar para o 112 e identificar o local onde estão».

102 menores internados

A lei prevê que as crianças entre os 12 e os 16 anos, apanhadas a cometer crimes puníveis com penas de prisão, sejam entregues ao Tribunal de Família e Menores. A procuradora-geral adjunta Joana Marques Vidal explica que as sanções podem ir «desde a entrega do menor ao pai até ao seu internamento num centro educativo, onde fica em regime fechado ou semi-aberto».

No entanto, segundo os últimos dados disponíveis, das 951 medidas aplicadas a menores pelo tribunal apenas 102 implicaram algum tipo de internamento. Na maior parte dos casos, os juízes optaram pelo acompanhamento educativo – para 209 menores – e por uma admoestação – decidida em 175 dos casos.

«Ao abrigo da Lei Tutelar Educativa, podem cumprir um máximo de três anos», diz Joana Marques Vidal, que integrou a comissão que redigiu esta lei. A magistrada justifica o tratamento dado a estes casos por serem menores: «Embora deva haver uma responsabilização, não podem ser tratados como adultos».

A jurista Fátima Esteves explica, porém, que a grande dificuldade no combate a este tipo de crimes passa por muitas destas crianças «não terem qualquer identificação».

Mas Joana Marques Vidal garante que o sistema tem respostas para estes casos, que podem ser reencaminhados para centros de acolhimento. Até porque, explica a procuradora, «uma criança em situação ilegal, que não possa ser identificada e sem um adulto responsável pela sua guarda, corresponde a uma situação de perigo».

Fátima Esteves diz ainda que muitos mentem na idade para evitar penas mais pesadas. «Às vezes, é preciso fazer perícias no Instituto de Medicina Legal para determinar a idade», conta, explicando que a percepção que têm é a de que «se disserem que ainda não têm 16 anos não lhes acontece nada».

Ao SOL, a PSP recusa dar dados sobre a criminalidade juvenil, dizendo que os mesmos só serão divulgados na apresentação do Relatório de Segurança Interna. Mas o Ministério da Justiça revela que só em 2007 deram entrada nos tribunais 1.591 processos contra menores.

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