tentaram entrar em dois vapores: primeiro no chire, que tinha as caldeiras apagadas, depois no dinorah, que numa meia hora estaria em condições de partir. nesse compasso de espera, apareceu do nada um tenente, aragão e melo, com notícias desanimadoras. tudo perdido! infantaria 16 fuzilava o povo que tentara o assalto ao quartel.
o almirante reis cancelou o embarque e dirigiu-se aos banhos de s. paulo em busca de melhores novas. não as ouviu. pesaroso, meteu-se num automóvel com o comerciante alfredo leal. no trajecto para casa da irmã, no n.º 153 da rua dona estefânia, só viu polícias e tropas de prevenção. avassalado pelo desespero, voltou a sair a pé e desapareceu na noite. pensa-se que terá despido as peças da farda que mais facilmente o identificavam como militar e concretizado a ameaça de horas antes. pelas oito da manhã dava entrada na morgue um cadáver descoberto na azinhaga das freiras, a arroios, com um tiro na cabeça e uma velha pistola automática, quase sem coronha, ao lado. cândido dos reis estava morto. machado santos ainda não o sabia, mas, a partir daqui, tinha às suas costas a revolução.
guardamos as pernas para outras caminhadas. não faltam no cais do sodré táxis que nos levem a campo de ourique, com breves paragens no quartel de marinheiros de alcântara (um dos que tomaram a dianteira na sublevação) e no palácio das necessidades (último refúgio do rei em lisboa e actual sede do ministério dos negócios estrangeiros). as nossas fotografias não enganam: por ali, tudo ou quase tudo está como há 100 anos. num ápice, encontramo-nos na rua de campo de ourique, frente ao prédio com o número 93 – o número 77 onde, em 1910, funcionava o centro escolar democrático de santa isabel. era 4 de outubro há 45 minutos quando o oficial de costas largas bateu a porta atrás de si. o que ele fez a seguir, conta-o raul brandão, na célebre frase das memórias ii: «à uma hora da noite o machado santos, à frente dum bando de populares, atira-se ao portão de infantaria 16». reinava o caos e a tomada do quartel revelou-se dura, mas entre civis carbonários e militares, um total de 200 homens passou à etapa seguinte: o assalto a artilharia 1, em campolide.
imitamos-lhes os passos e, nos mesmos quinze minutos que eles despenderam no trajecto, estamos à porta do instituto geográfico português, o antigo quartel. em 1910 saiu daqui uma primeira coluna, com destino às necessidades, mas um encontro imediato com a guarda municipal na rua ferreira borges forçou-a a fazer meia volta, levando-a a juntar-se ao grosso dos insurrectos, que avançava pela rua de são joão dos bem casados (actual silva carvalho), em trânsito para a avenida da liberdade. com várias escaramuças pelo meio – as principais no rato, cujo chafariz ainda ostenta marcas de balas, e na rua alexandre herculano –, os revoltosos conseguiram por fim montar acampamento na rotunda (hoje praça marquês de pombal), eram umas cinco da manhã. a força, composta por um meio milhar de homens, contava com oito peças de artilharia e mais civis do que militares. às nove horas, convencidos da inviabilidade da revolução, já todos os oficiais tinham debandado. restava machado santos, que viu o comando reduzido a si próprio e a nove sargentos.
apesar da situação precária, o comissário naval conseguiu resistir, ao longo do dia 4 e da madrugada de 5, ao fogo aberto pelas forças monárquicas a partir do rossio, bem como a dois bombardeamentos liderados por paiva couceiro, veterano das campanhas de áfrica – o primeiro a partir do alto do parque eduardo vii, junto à penitenciária, o segundo a partir do jardim do torel.
