toda a gente se lembra de uma das muitas personagens imortais do mestre herman josé, quando parodiou baptista bastos e cunhou o bordão: ‘onde é que tu estavas no 25 de abril?’. a melhor resposta que ouvi a esta repetida inquirição sorridente veio da parte de um grande amigo, temporariamente ébrio, que após muito pensar retorquiu: ‘25 de abril… bem… é feriado… portanto devia estar no algarve!’.
no passado 25 de abril o escriba estava precisamente pelo reino dos algarves a gozar uns curtos dias de férias e dedicou boa parte do dia – que a idade já pesa – a acompanhar a programação televisiva da rtp para o dia mais simbólico da democracia. revi com enorme prazer o filme ‘capitães de abril’, com 11 anos já, e apreciei-o ainda mais do que no cinema. maria de medeiros conseguiu várias coisas raríssimas em portugal: contar uma história, contá-la bem, filmá-la nos locais onde a acção se passou, retirar dos figurantes interpretações notáveis em qualquer parte do mundo – chega a dar a sensação que assistimos a um documentário – e deixar para gerações vindouras um verdadeiro tesouro de história contemporânea, num país cuja arte parece ter memória de peixe e que, deitado no divã, seria tão capaz de terapia como o primeiro-ministro de arrependimento.
o dia terminou com um excelente documentário sobre zeca afonso (há cada vez mais e melhores produções neste registo pelo nosso país, e louve-se aí o papel determinante da rtp2) e, mesmo antes, terminou a apreciada série ‘conta-me como foi’. tendo sido (com nuno duarte e tiago r. santos, também coordenador de argumento), um dos três guionistas da 4.ª e última temporada deste programa querido a tantos portugueses, não pude deixar – por isso mesmo – de sentir orgulho, e um amargo de boca. bastante do que foi para o ar, nestes últimos episódios, pouco tem a ver com o que foi escrito, e na maioria das vezes com soluções piores. talvez até seja melhor assim, uma vez que os créditos com os nossos nomes são tão pequenos e curtos que nem se conseguem ler os três. lembrou-me logo um artigo recente no expresso em que se ignoravam os autores na proporção inversa em que se erigia um pedestal tal aos actores, que dir-se-iam capazes de improvisar tudo o que foi gravado. enquanto quem produz continuar a tratar quem escreve desta maneira, não se admirem se a ficção televisiva portuguesa continuar a ser a mediocridade que se vê.
ii – o esplendor de portugal
(contra o preconceito)
muito tem sido dito e escrito – sobretudo na imprensa desportiva – sobre o orgulho de ver três clubes portugueses nas meias-finais da liga europa (calma, queridos leitores que não gostam de ver o escriba perorar sobre futebol, serei breve). perguntava um desses jornais, em manchete com cerca de 15 dias – e graça, se podemos pagar a ajuda externa com golos? com uma certa razão. afinal, um dos chavões mais antigos cá do burgo está intimamente ligado ao preconceito contra os jogadores da bola – gente desqualificada e com salários obscenos. quando, na verdade, a única obscenidade é que esta conclusão é uma rotunda mentira. tenho a certeza absoluta que não há um único jogador no plantel do sporting de braga que não desse o litro e algo mais para ter um ordenado ao nível de um administrador da galp ou da edp, por exemplo. e estes, os futebolistas, até vivem num mundo onde a concorrência é efectiva e constante.
quanto à desqualificação dos ditos, basta pensar em quantos homens sonharam em crianças tornarem-se jogadores da bola. diria, por alto, nove em cada 10. e quantos lá chegam? fica a pergunta retórica.
os futebolistas são profissionais de alta competição, com carreiras curtíssimas, sujeitos a qualquer momento a uma lesão grave que pode antecipar de forma ainda mais cruel esse percurso competitivo, e na realidade são muito poucos os que chegam a um patamar financeiro de excepção – capazes de, a partir do pé-de-meia amealhado durante a vida breve como profissionais (o brasileiro ronaldo, recém-retirado, chamou à sua despedida do futebol a ‘primeira morte’), organizar o resto da vida. arriscaria mesmo dizer que, em todos os clubes da 1.ª liga portuguesa, não existirão sequer 50 craques nessa situação monetária invejável. muito pouco para tanto preconceito, como se vê – ou ‘much ado about nothing’, para citar shakespeare, bardo da nação que se reclama inventora do desporto-rei.
e diria mais: esses poucos que ganham muito não têm qualquer culpa do cheque arrecadado ao final de cada mês. como diz o meu pai, e decerto o pai (e avô) do leitor, nesta vida ninguém dá nada a ninguém. não apontaram uma pistola à cabeça de quem paga – se recebem o que recebem é porque dão retorno.
assim, e quando falta jogar a 2.ª mão destas gloriosas meias-finais, garantida a presença de uma equipa nacional em dublin, vivam os jogadores e treinadores portugueses, bem como os dirigentes capazes de descobrir e integrar nos respectivos plantéis estrangeiros dedicados e talentosos. viva o porto, a melhor equipa em prova; viva o meu benfica – sonhando com uma doce vingança na final; viva o braga – que seria o vencedor adequado, perfeito, se esta história acabasse como um filme de hollywood. seguissem outras áreas profissionais neste país o exemplo destas agremiações e talvez não necessitássemos, volta e meia qual lengalenga, de recorrer envergonhados ao fmi.
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