na proposta de desvalorização fiscal, o que foi acordado pelo governo com a troika?
foi estabelecido o princípio geral, que é saudável e mais ou menos consensual. o que não foi acordado foi uma desvalorização que se traduzisse numa redução da taxa social única (tsu) em quatro pontos percentuais (p.p). o custo dessa desvalorização é de cerca de 1.600 milhões de euros, o que implica agravar o iva muito além do que está previsto no memorando: 410 milhões, através da alteração de escalão de alguns produtos.
para o governo, o que pode compensar a redução de receita resultante do corte da tsu?
sendo uma perda de apenas 410 milhões, há soluções nos bens e serviços na taxa intermédia ou na reduzida. não se trata de um valor difícil de lidar.
mas 410 milhões só dariam para reduzir a tsu em 1 ou 2 p.p. não é pouco em termos de competitividade?
os 410 milhões são só pelo iva.
pode então haver outros mecanismos para compensar a tsu, como a redução da despesa?
não é o que estou a dizer. o que digo é que, no que toca à minha ‘capela’ – os assuntos fiscais –, os 410 milhões de iva que foram acordados com a troika são exequíveis. os 1.600 milhões não. ir mais longe no iva sobrecarrega famílias e empresas.
então o que é viável fazer?
em matéria fiscal, o que está no memorando – agravar o iva em 410 milhões, alguma receita adicional em impostos específicos sobre o consumo e património, redução de benefícios fiscais – é o que podemos fazer, no limite e com realismo.
faz sentido retomar as alterações ao cabaz alimentar do iva que foi inicialmente apresentado no oe2011?
essa discussão terá de ocorrer novamente na apresentação do oe2012. a proposta pode ser retomada ou pode ser estudado outro mix de produtos e serviços. o que interessa é que as coisas sejam feitas com realismo.
o que pode esperar-se na electricidade e no gás?
é prematuro dizer. a tese defendida por alguns membros do psd, de passar o iva da electricidade e do gás dos actuais 6% para 23%, parece-me completamente absurda. é um cenário completamente insensato, de uma violência extrema.
podem esperar-se alterações a nível do imposto sobre produtos petrolíferos?
o memorando de entendimento nada prevê. já temos um diferencial significativo com espanha, neste imposto. foi por isso que nem sequer estudámos essa hipótese.
no imi, quando e em que medida é que vão terminar as isenções?
não vai haver eliminação total da isenção, de uma só vez. o memorando aponta para que, em 2012, aqueles que actualmente beneficiam da isenção a vejam reduzida.
em quanto tempo?
é uma opção que terá de ser fechada para 2012, mas há várias soluções. as isenções têm um impacto de 350 milhões de euros no oe e o memorando aponta para que se vá buscar perto de 250 milhões. mas há folga para jogar com quem tem isenção há mais ou menos tempo, com prédios de maior ou menor valor.
e quem comprar agora casa vai beneficiar ainda de alguma isenção?
da isenção temporária, não. o próximo oe vai ser o momento em que muitas opções difíceis têm de ser feitas. terá de haver uma boa dose de sangue frio.
o limite de 1.100 euros para deduções fiscais no irs vai ser alargado aos rendimentos a partir do terceiro escalão?
esse limite já existe para os dois escalões mais elevados, será necessário fixar tectos para os outros escalões. o valor final não sei dizer. o governo que apresentar o oe tem de fazer contas para cumprir o objectivo de receita do memorando. e não me parece que seja uma medida negociável com a troika.
a convergência da tributação dos pensionistas com os trabalhadores por conta de outrem será total?
tem de haver uma solução em que as deduções das duas categorias sejam idênticas. a receita vai entrar nos cofres públicos por via da retenção na fonte de 2012 e definitivamente em 2013.
no caso das ipss é expectável que acabem as isenções de irc?
é uma das opções que se terá de se tomar no momento do oe. ainda há muitas opções difíceis para fazer. é preciso haver coragem para levar tudo por diante.
os limites para benefícios fiscais e dedução de prejuízos nas empresas têm vindo a reduzir-se. o que se pode esperar?
no âmbito do memorando de entendimento que acordámos, a solução está preto no branco: o reporte de prejuízos deve ser limitado em função da matéria colectável e o período de reporte deve ser reduzido de quatro para três anos. é um dos casos em que se desceu ao pormenor técnico e não há grande margem. tem de ser transposto para a proposta de oe para 2012.
num contexto de recessão, não pode ser mais complicado para as empresas?
compreendo esse ponto de vista, mas a percentagem de empresas em portugal que declara prejuízos é demasiado elevada para acreditarmos que isso resulta apenas de má sorte. a redução do período de reporte e a sua limitação dão algum conforto às empresas que atravessam períodos de dificuldade, mas permitem que o trigo se misture com o joio e haja uma exploração abusiva da dedução de prejuízos. todos sabemos que a percentagem tão alargada de empresas a apresentar prejuízos não corresponde à realidade. e portanto temos de introduzir regras anti-fraude.
mas o memorando é parco no combate à fraude e evasão…
o documento pode não utilizar exactamente essa expressão, mas contempla medidas directamente dirigidas ao combate à fraude. desde logo o congelamento de todos os benefícios fiscais: não poderá haver novos benefícios nem alargamento dos existentes. grande parte da fraude em portugal está relacionada com o aproveitamento indevido desses benefícios. em segundo lugar, há o reforço do pessoal das finanças afecto à actividade inspectiva. a administração fiscal tem 12 mil pessoas e só pouco mais de 1.700 estão na inspecção. temos de racionalizar estes recursos humanos, tirar pessoas do trabalho de secretária e pô-las no terreno.