Imposto sobre ricos só tem efeito simbólico

Apenas 3.736 contribuintes ganham mais de 250 mil euros. Uma taxa ‘à francesa’ em 2011 faria com que Portugal ficasse com o 3.º imposto mais alto da UE para rendimentos elevados.

a possível criação de uma taxa adicional de irs para os rendimentos mais elevados em portugal – uma medida anunciada em frança e que o conselho de ministros português deverá avaliar na próxima semana – teria um efeito marginal na receita do estado. segundo os fiscalistas contactados pelo sol, um imposto igual ao francês deveria render aos cofres públicos 10 milhões a 15 milhões de euros, mas portugal perderia ainda mais competitividade fiscal.

o debate começou nos eua. o investidor warren buffet publicou um artigo de opinião no the new york times sugerindo que o governo parasse de «mimar os milionários». um grupo de franceses abastados fez esta semana um apelo semelhante, e o governo de sarkozy fez-lhes a vontade: anunciou uma sobretaxa extraordinária de 3% para os rendimentos acima de 500 mil euros anuais. espanha e agora portugal podem seguir o mesmo caminho.

se fosse introduzida em portugal – um cenário possível, já que o gabinete do primeiro-ministro confirmou que a questão vai ser debatida –, uma medida desta natureza seria parca em receitas fiscais. segundo o fiscalista tiago caiado guerreiro, uma taxa de 3% para rendimentos superiores a 500 mil euros deveria gerar 10 milhões a 15 milhões de euros. «ou nem isso», sustenta o jurista, que integra o conselho consultivo do fórum para a competitividade.

o fiscalista justifica o cálculo com as estatísticas da direcção-geral de impostos: o país tem apenas 3.736 contribuintes com rendimentos superiores a 250 mil euros, e apenas 150 ganham mais de um milhão de euros. isto num total de 4,6 milhões de agregados familiares que entregaram declarações às finanças em 2009. «é atirar areia para a cara das pessoas», acusa.

se fosse aplicada aos rendimentos acima de 250 mil euros, poderia gerar 50 milhões de euros, mas caiado guerreiro alerta que a taxa máxima de irs em portugal já é das mais elevadas da europa. actualmente, a taxa mais alta é de 46,5%, mas a sobretaxa que corta o subsídio de natal (3,5% do rendimento anual) coloca a fasquia nos 50%, o quinto valor mais alto da europa, a par da áustria e reino unido. se a taxa ‘à francesa’ fosse aplicada já aos rendimentos de 2011, portugal passaria para terceiro lugar.

há formas de escapar

além disso, realça caiado guerreiro, «os ricos não estão especialmente preocupados com esta medida». isto porque os dividendos que obtêm das participações sociais ficam retidos nos seus grupos empresariais e não são tributados em sede de irs. como explicou ao sol outro jurista, que pediu para não ser identificado, «uma medida que aumenta as taxas de irs mais altas não significa necessariamente que os mais ricos vão pagar mais impostos. a estrutura de rendimentos é diferente, porque engloba dividendos ou juros que podem ser deslocalizados e ter uma tributação mais baixa».

tributar património

face à ineficácia de um aumento adicional de irs, tem sido sugerida a possibilidade de tributar não os rendimentos, mas o património. miguel cadilhe retomou esta semana uma proposta que já havia feito – taxar a 3% ou 4% os grandes patrimónios – e o pcp e o bloco de esquerda vão também apresentar propostas que já haviam feito no parlamento.

mas, mais uma vez, os fiscalistas torcem o nariz. caiado guerreiro tem dúvidas sobre a eficácia da medida. como implica calcular o património líquido (património total deduzido dos empréstimos contraídos), a receita seria diminuta, já que a maioria das empresas portuguesas está sobreendividada. além disso, diz, haveria o risco de fuga de capitais, de vendas massivas de imóveis e de uma corrida aos depósitos para diminuir o património tributável. outra fonte lembra a dificuldade de pôr em prática a medida, dada a necessidade de meios de fiscalização e de avaliação de bens como obras de arte. «podia acontecer o mesmo que na sisa: os custos que a administração fiscal tinha para cobrar o imposto eram superiores às receitas».

para o fiscalista, o governo tem poucas opções para aumentar a tributação aos mais ricos de forma efectiva e sem efeitos contraproducentes na competitividade fiscal. «um verdadeiro imposto sobre os ricos seria acabar com rendas garantidas em sectores como os combustíveis e as telecomunicações, e renegociar parcerias público-privadas em que o estado remunera os privados a 14% ao ano», diz o jurista, acrescentano que essas iniciativas poderiam libertar recursos públicos e fazer baixar os impostos aos cidadãos com menores rendimentos.

empresários divididos

certo é que em portugal não há um movimento concertado de empresários a pedir para pagarem mais impostos, mas há vozes isoladas nesse sentido. joe berardo disse à tsf estar disponível para pagar mais impostos e que concorda com uma taxa suplementar ao nível do irc, porque «todos temos que nos ajudar uns aos outros». o empresário madeirense sublinhou que «não se pode pôr mais impostos sobre o povo que tem tão pouca remuneração».

já miguel cadilhe é favorável. «vistas bem as coisas, perguntaria, 3% ou 4% de um grande património líquido será algo de muito aflitivo para o seu titular?», questiona o economista, acrescentando ser uma «questão de ética» e de «responsabilidade cívica».

as declarações mais polémicas acabaram por ser do empresário américo amorim, considerado o homem mais rico do país. ao negócios, afirmou que não se considera rico. «sou um trabalhador», disse.

mas o tema tem potencial para alguma tensão no debate público. o ps já aludiu à posição «hesitante» da maioria de direita, que ‘chumbou’ no parlamento a aplicação da sobretaxa do subsídio de natal aos rendimentos de capital (depósitos e dividendos), e que agora pondera mais impostos sobre ricos.

joao.madeira@sol.pt