Os pecados também pagam imposto

Quem costuma ir ao casino jogar roleta, poker ou blackjack, enquanto bebe um whisky e fuma um cigarro, faz parte de um grupo de contribuintes que dá uma ajuda anual aos cofres do Estado superior a dois mil milhões de euros.

as receitas com os chamados ‘impostos do pecado’ – uma designação usada pelo antigo secretário de estado dos assuntos fiscais, sérgio vasques, para os impostos sobre o jogo, o tabaco e o álcool – aumentaram 20% na última década. e, apesar de terem um peso «marginal» no sistema fiscal português, estão acima dos valores cobrados na generalidade dos países da europa ocidental.

as receitas obtidas com a tributação directa e indirecta relacionada com o jogo, o álcool e o tabaco ascendem a 2.135 milhões de euros, cerca de 3,7% do total de receitas fiscais contabilizadas pelo organismo de estatística, no ano em questão (2009). de acordo com dados do eurostat compilados pelo sol, referentes a 15 países europeus, o caso português é relativamente atípico nos países mais desenvolvidos.

em itália e espanha, o peso destes impostos na receita fiscal é de 3% e 3,3%, respectivamente. no centro da europa, a carga fiscal também é mais baixa em frança (1,7%), bélgica (1,8%) e alemanha (1,9%). a dinamarca é o país que menos receita consegue com o ‘pecado’, ao arrecadar 1,5% das receitas através destes impostos. apenas o reino unido destoa, com 4%.

o perfil de portugal assemelha-se mais aos países de leste e dos balcãs. a república checa e a hungria conseguem cerca de 4,5% dos impostos com a tributação do lazer. o país com maior peso dos impostos do jogo, tabaco e álcool é a bulgária, em que estes impostos são responsáveis por 10% da colecta.

sérgio vasques, que tem trabalhos académicos exactamente sobre os ‘impostos do pecado’ explica que a configuração fiscal portuguesa tem de facto poucas parecenças com a europa central e ocidental: a tributação indirecta (não dirigida aos rendimentos dos contribuintes e sim ao consumo, por exemplo) é mais elevada do que a média da união europeia. e isso reflecte-se também nos impostos indirectos mais pequenos, como os que incidem sobre o álcool e sobre o tabaco. «a preponderância da tributação indirecta é uma característica do nosso sistema fiscal desde há séculos», refere.

contudo, o docente universitário alerta que o peso dos impostos sobre o pecado é influenciado por «factores locais muito diversos», como os padrões de consumo ou as compras transfronteiriças. «em certos países a percentagem de população fumadora é ainda muito elevada e só lentamente tem vindo a descer, como sucede em certos países da europa de leste. noutros países, o nível de preços atrai os consumidores de países vizinhos, que aí se deslocam para comprar álcool ou tabaco, inflacionando as receitas fiscais, como acontece tipicamente com o luxemburgo mas também com a polónia», refere o jurista.

de qualquer forma, diz o docente da universidade católica, são impostos que têm vindo a perder importância face a outros. «são importantes e pesados para os sectores que os suportam, mas para o estado transformaram-se progressivamente em ‘impostos de bagatela’», diz.

a jurista ana pinelas pinto, da sociedade de advogados miranda, concorda. «representam uma receita segura para o estado, mas têm uma expressão pouco significativa no peso total da receita fiscal, nomeadamente quando comparados com outros impostos indirectos, como o iva, o imposto sobre produtos petrolíferos ou o imposto de selo», diz.

segundo a jurista, as taxas de imposto sobre tabaco e o álcool têm sofrido aumentos nos últimos anos, mas «pouco expressivos», à excepção da taxa aplicável aos cigarros. no que respeita ao imposto especial sobre o jogo, «não houve nos últimos anos qualquer aumento da taxa aplicável».

a advogada encontra outra possível explicação para o peso elevado destes impostos face à média europeia. «poderá estar relacionado com o crescimento do produto interno bruto destes países, que motiva uma maior subida da receita dos impostos sobre o rendimento, ao passo que em portugal se tem verificado nos últimos anos uma tendência em sentido contrário».

ana pinelas pinto refere que o álcool ou o tabaco são bens cujo consumo se pretende desincentivar, pelo que o facto de terem um regime especial de tributação «é geralmente aceite pela população». contudo, alerta, «o principal objectivo destes impostos é a arrecadação de receita fiscal», pelo que, num período de consolidação orçamental, a subida dos níveis desta tributação indirecta é uma possibilidade. «contudo, tendo em atenção o diminuto peso na receita fiscal geral, o impacto será pouco significativo face aos objectivos de arrecadação de receita que o governo pretende alcançar».

joao.madeira@sol.pt