‘Tem de haver rescisões na Função Pública’

Bagão Félix admite, em entrevista ao SOL, que a recessão vai dificultar o cumprimento das metas orçamentais acordadas com a troika.

o que espera do oe2012?
é um oe não só com medidas duras, em termos de austeridade, como terá de ser aplicado num ambiente de recessão, o que dificulta ainda mais a execução das metas. entra-se num ciclo mais vicioso do que virtuoso.

havia margem para não ser tão recessivo?
no contexto da pré-formatação pela troika, não. talvez houvesse margem para que o ajustamento pudesse ser feito num tempo mais alongado, o que permitiria conciliar o saneamento das contas públicas com o relançamento da actividade económica. corremos o risco de o doente morrer da cura, como se diz popularmente.

o governo deve tentar renegociar os prazos da correcção orçamental?
no momento da primeira negociação, talvez se pudesse ter discutido prazos mais longos e um valor superior de apoio financeiro. mas isso era no momento do acordo. agora, não deve tentar renegociar, e sim provar que consegue cumprir escrupulosamente as metas traçadas. só assim é possível reganhar a confiança dos mercados e das instâncias internacionais, e fazer o país sair desta situação.

em 2012, como deve o governo compensar as receitas extraordinárias que teve este ano?
as finanças públicas têm um problema: do lado da receita, basta uma lei para, imediatamente, se conseguir pelo menos o aumento das taxas dos impostos. do lado da despesa, não basta a intenção, é preciso executar. e isso demora tempo, quando o país não o tem. como tal, a tendência é para cortar a despesa naquilo que está mais à mão: vencimentos e prestações sociais. cortes em termos de preço e não de volume.

será necessário um novo corte salarial ou de pensões?
não consigo ser profeta nessas matérias. isso só faz sentido apenas como última solução, não como primeira. uma nova diminuição de salários seria injusta, porque abrangeria apenas 500 mil ou 600 mil pessoas – ou um milhão, se contarmos com os aposentados da função pública. o sacrifício tem de ser distribuído por todos os rendimentos de trabalho e de capitais.

uma das formas de reduzir o volume do estado é diminuir o número de funcionários, e isso está previsto, através de restrições no recrutamento e saídas para a reforma.
as aposentações só aliviam a despesa pública de forma muito relativa, porque há apenas uma alteração contabilística: em vez de se pagar o salário através do estado, paga-se a pensão através da segurança social. a pensão é inferior ao vencimento, mas não há grande diferença em termos de volume de despesa pública. e, com as aposentações, descaracteriza-se e reduz-se ao mínimo a qualificação de que precisamos no estado. a desertificação de competências preocupa-me muito: normalmente, quem se aposenta primeiro é quem tem mais capacidades e até pode prosseguir outras funções no sector privado. temos de avançar para rescisões por mútuo acordo. aí preconizo que seja constituído um fundo para financiar as compensações e indemnizações pelas rescisões. e parte das receitas das privatizações poderia perfeitamente financiar esse fundo.

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joao.madeira@sol.pt