A Concertação Social e a Assistência Financeira

Saul Bellow afirmava, num ensaio publicado nos anos 70, que toda a informação se encontra nos jornais diários, que somos informados de tudo mas que não sabemos de nada!

recordo-me, frequentemente, desta verdade. temos cada vez mais informação sobre cada um dos temas, mas não cruzamos a informação de que dispomos quando ela respeita a mais do que um deles.

vem isto a propósito do recentemente assinado acordo de concertação social e da quase ausência de relação que se estabeleceu entre ele e o memorando da troika. ora, quem se der ao trabalho de ler este último, verá que as alterações à legislação do trabalho que foram acordadas constam desse memorando. mais: aquilo que atrasou as negociações só foi causado por aquilo em que o governo inovou, ou seja, a ‘mais meia hora de trabalho por dia’.

ora, se assim é e se o memorando da troika foi assinado, também, pelo partido socialista – aliás, negociado, na sua primeira versão, pelo, então, governo socialista –, natural seria que a ugt, independentemente da pressão que realizou para amenizar o seu conteúdo, designadamente no que tem a ver com os direitos adquiridos, tivesse chegado a acordo. já o mesmo não seria natural relativamente à cgtp que, apelidando, a exemplo do pcp, o memorando da troika de ‘pacto de agressão’, jamais poderia ver-se envolvida na sua assinatura.

no entanto, este acordo não é apenas ele próprio. é também aquilo que o governo disse relativamente ao seu conteúdo. ora, ao considerar que a varinha mágica para o aumento da competitividade e da produtividade e, consequentemente, para a dinamização da economia, é a alteração da legislação laboral, tornando-a menos rígida, fez uma aposta de risco.

com efeito, todos conhecemos exemplos de empresas onde, com a actual legislação laboral, o ambiente de trabalho, a produtividade dos trabalhadores e a competitividade dos produtos é excelente e outras onde o inverso é que é verdadeiro. conviria, pois, analisar se o problema não estará mais do lado dos empresários portugueses. e aqui, os dados dizem que nos deparamos com uma fraquíssima habilitação média, um baixo espirito de risco, falta de visão estratégica e insuficiência de capitais próprios. as excepções que, felizmente, existem, só confirmam a regra.

assim sendo, faria todo o sentido que se fizesse muito mais esforço, não no sentido de desvirtuar a natureza própria da relação de trabalho – caracterizada pela assimetria de poder entre as partes –, mas antes se tivesse investido verdadeiramente numa agenda para o crescimento e o emprego que assentasse sobretudo numa estratégia virada para as empresas.

e foi isto o que não aconteceu. se lermos com atenção o ‘compromisso para o crescimento, competitividade e emprego’ vemos que, na verdade, a legislação laboral foi alterada, mas tudo o resto são medidas que repousam sobre o esforço do estado, quer na vertente de apoios financeiros – o que quer dizer, os contribuintes – quer na vertente da promoção das actividades económicas. mas compromissos por parte das empresas, não consegui visualizar nenhum.

tal resultado é também contrário àquilo que o governo permanentemente assinala, ao considerar que o estado deve retirar-se da economia para que as empresas possam cumprir o seu papel.

para além disso, o governo continua a esquecer que, para além das nossas maleitas nacionais, a interdependência global das economias necessita de outra visão e de uma outra intervenção. desde logo, a nível europeu: políticas restritivas em todos os países do euro, em simultâneo, independentemente da saúde das respectivas finanças públicas, induzem a recessão da economia e a da própria zona euro e na união europeia no seu conjunto. mas, pior do que isso, também a nível global. ainda esta semana, em berlim, christine lagarde o afirmava, instando a união europeia a ‘dar folga à austeridade, nos países onde isso é possível, e maior integração’. mais governo económico na zona euro!

tudo visto e ponderado, em meu entender, a assinatura do acordo por parte da ugt só pode ser vista como uma estratégia de redução de danos.

quanto ao governo, ao apostar forte na alteração à nossa legislação laboral como aquilo que fará transformar a nossa economia, ignorando a indispensabilidade de uma agenda para o crescimento e o emprego, que deve ser de iniciativa nacional mas concertada a nível europeu, sobretudo para os países em programas de assistência financeira, corre um risco elevadíssimo de vir a ser enganado e desmentido pelo resultado das suas próprias apostas.