Passos ao SOL: ‘Madeira não podia parecer beneficiada por ter Governo do PSD’

Na segunda parte da grande entrevista do primeiro-ministro ao SOL, Pedro Passos Coelho fala sobre a sua recusa do cenário de reestruturação da dívida e sobre o ‘emagrecimento do Estado’.

[sapovideo:zzrvmeca3vqitut27oew]

o presidente da cip, antónio saraiva, diz que são precisos mais de 30 mil milhões de euros de ajuda financeira tendo em conta as dificuldades das empresas públicas. perante isto, o governo pode garantir que até ao final de 2012 não terá necessidade de pedir uma segunda ajuda financeira? já agora, com quem é mais difícil negociar: com a troika ou com alberto joão jardim?

são coisas diferentes. o estado português não se poderia ter comprometido com um financiamento à região autónoma da madeira sem acreditar que o programa apresentado pela região seria cumprido e corresponderia à correcção dos desequilíbrios orçamentais. o estado não pode estar a responder pelos empréstimos se não tiver a garantia de que o programa que vai ser seguido é um programa adequado. e nesse sentido a negociação foi demorada, foi complexa, porque as dificuldades financeiras são grandes e o programa que tem de ser concretizado é bastante difícil. talvez tenha havido também necessidade, por parte do próprio governo regional, de se compenetrar em toda a extensão das implicações da situação. mas não direi que tenha sido uma negociação dificílima. houve cooperação da parte do governo regional, houve uma carta de intenções assinada pelo presidente do governo regional ainda em dezembro, e depois houve uma afinação, porque havia alguma informação que faltava. ela acabou por ser concluída numa reunião em que eu participei, com o dr. alberto joão jardim, o ministro das finanças e o secretário regional. e que não teve qualquer drama. espero agora que a parte mais difícil…

foi longa, foi complexa, mas não foi difícil?!

não, não foi particularmente difícil. foi complexa porque os recursos endógenos de que a região dispõe para corrigir aqueles desequilíbrios são desproporcionadamente pequenos face aos desequilíbrios. portanto, era preciso encontrar um programa que teria de ser suportado no essencial pela região. com a ajuda do estado, evidentemente, mas essencialmente cumprido pela própria região, mostrando que não haveria uma situação de favor relativamente à madeira apenas porque o governo regional era do psd. era importante que o país percebesse que não havia nenhum tratamento de favor. mas, por outro lado, tinha de ser um programa cumprível, para a madeira não mergulhar numa crise tão profunda que tornasse a recuperação e o equilíbrio impossíveis de atingir. foi complexa neste sentido. agora, difícil no sentido de ter sido uma luta terrível entre as partes, não foi.

e a necessidade de mais financiamento externo?

essa questão é ainda mais importante do que a outra, porque tem que ver com o sucesso do país. nós precisamos de retornar aos mercados em setembro de 2013. e nessa altura é importante que o programa que tem vindo a ser desenvolvido (e que foi iniciado há cerca de nove meses) tenha sido percepcionado pelos agentes económicos como ‘bem sucedido’. ou seja, na parte da estabilização financeira, é preciso que os objectivos pró-défice sejam cumpridos. depois, que as necessidades de financiamento externo da economia portuguesa sejam compatíveis com a percepção de sustentabilidade da dívida por parte do mercado, quer dizer, que as nossas necessidades de financiamento diminuam drasticamente. o défice externo português, nos últimos dez anos, de 2000 a 2010, cresceu à média de 9% ao ano, o que significa que em onze anos praticamente duplicámos o défice externo. e esse défice externo tem de ser financiado pelo exterior. ora, em 2010 o défice externo representou 8,9% do pib e em 2011 foi reduzido para 6,8%. o que significa que, apesar da mudança de governo, das eleições, de tudo o que isso significa a meio de um ano numa economia, o país conseguiu (estou a falar pelo país e não só pelo governo) reduzir mais de 2% do pib a necessidade de financiamento externo. a previsão do banco de portugal é que este ano esse défice recue para 1,6%. e prevê mesmo que em 2013 exista já um excedente, quer dizer, que a nossa posição líquida sobre o exterior seja positiva em 0,8%. é ainda uma previsão, mas feita já num quadro adverso. não é uma previsão idílica. ora, se nós conseguirmos cumprir as metas do défice e da dívida, e equilibrar a nossa balança externa, não há nenhuma razão para os mercados suporem que portugal precisa de renegociar o seu programa.

faltam as medidas estruturais…

sim, falta a agenda estrutural, porque essa é a que tem que ver com a confiança para futuro, com a nossa capacidade para crescer no futuro. isso depende de as reformas ao nível do mercado laboral poderem ser concretizadas, saindo do papel para a prática. e depende da regulação e da concorrência, de modo a que não haja um proteccionismo sobre o sector não transacionável doméstico relativamente à competição externa. depende que a justiça funcione. em suma, que tudo o que tem relevância para uma economia mais aberta e competitiva possa, em agenda estrutural, estar devidamente encaminhado. portugal não se tem atrasado nessa agenda, o que significa que é possível os agentes anteciparem esses bons resultados e acreditarem que portugal está a fazer aquilo que é preciso. é esse o sentimento generalizado que tenho recolhido em termos europeus. há uma pressão, um stresse, que está a ser exercido no mercado secundário sobre os títulos de dívida portuguesa (consequência quer do downgrade que a standard & poors fez sobre a dívida portuguesa, quer da incerteza do que vai acontecer à grécia), mas que é circunstancial. dentro do tempo de que dispomos para mostrar resultados – e na medida em que formos consistentes com os resultados que temos vindo a obter –, há razões para acreditar que não precisaremos de um novo pacote de ajuda e que estaremos em condições de regressar ao mercado na altura própria. a menos, claro, que alguma coisa de extraordinário possa acontecer – e eu não tenho uma bola de cristal para adivinhar.

também não admite uma reestruturação da dívida…

não, porque a dívida portuguesa é sustentável. segundo o critério do bce, da comissão europeia, do fmi, nós temos uma dívida sustentável, conquanto possamos cumprir com sucesso o nosso programa. se isso acontecer, por que é que haveríamos de estar a reestruturar dívida, o que no fundo significa dizer: ‘nós não temos condições para pagar esta dívida e, portanto, convidamos os credores a revê-la, de modo a podermos pagá-la num outro tempo, noutras condições, com uma parte perdoada…’? é o que se entende por reestruturação da dívida. ora, isso seria um insucesso absoluto. ‘não conseguimos cumprir, fomos mal sucedidos, o programa não resultou’. o que se faz nessas circunstâncias é admitir que falhámos e não nos resta outra opção senão reestruturar a dívida. ora, eu não ponho esse cenário. e não é por uma obsessão pessoal, mas porque não vejo nenhuma razão para o estarmos a equacionar. temos vindo a cumprir, os défices têm vindo a ser corrigidos, o défice externo tem vindo a ser corrigido, a agenda estrutural está bem encaminhada, as privatizações iniciaram-se com sucesso reconhecido (houve gente que achou que valia a pena meter bastante dinheiro na economia portuguesa), por que razão hei-de estar a pensar em reestruturar a dívida?

‘eliminámos 1.700 dirigentes e centenas de organismos’

disse que há a percepção no exterior de que a agenda das reformas está a ser cumprida, mas internamente pensa-se o contrário. houve a promessa de encerrar institutos públicos que aparentemente faziam trabalho duplicado, de fechar fundações que não se percebia bem para que serviam, falou-se na redução do número de câmaras municipais… e, afinal, o ‘emagrecimento do estado’ resumiu-se até agora à projectada redução do número de freguesias. parece que a montanha pariu um rato… não posso acompanhar o diagnóstico. em primeiro lugar, o redesenho da administração pública foi feito com sucesso. ao contrário de todos os outros programas que tinham tentado reduzir a administração, nós conseguimos eliminar cerca de 1.700 cargos dirigentes. em segundo lugar…

e organismos?

organismos também. não tenho agora o número exacto (e não quero ser desmentido amanhã por alguém que acha que indiquei mais 10 ou mais 15 do que aquilo que devia) mas foram umas centenas largas de instituições, de entidades que foram ou estão a ser extintas ou fundidas, cujas leis orgânicas estão agora a ser publicadas. creio que só o ministério da economia não tem ainda o conjunto das suas leis orgânicas aprovadas – vamos agora começar a fazer essa aprovação em conselho de ministros. foram extintas algumas entidades e foram fundidos alguns institutos públicos com diminuição de lugares dirigentes, o que é importante: se juntarmos dois institutos mas não reduzirmos os recursos, não estamos a reduzir o peso do estado… há um processo ainda não concluído que tem que ver com as fundações. nós mudámos o regime das fundações no conselho de ministros da semana passada. é um regime de maior transparência e de maior controlo do que aquele que existia. e estamos a ultimar uma avaliação de todo o universo dessas entidades, de modo a ver quais as que, no âmbito público, podem ser extintas. por outro lado, houve também a ideia de moralizar, no sentido mais republicano do termo, aquilo que são as condições de funcionamento, de nomeação, de desempenho, destes lugares públicos. com excepção do regime geral das próprias empresas públicas, que será objecto de um diploma próprio, há um novo estatuto do gestor público, que prevê uma clarificação do regime de remunerações. a regra passa a ser a indexação ao vencimento do primeiro-ministro de todos os gestores públicos, havendo uma possibilidade de excepção para as empresas públicas que estejam em mercado competitivo, concorrencial, e em que os gestores podem optar pela remuneração média dos últimos três anos antes de terem ingressado nessa empresa pública.

a dificuldade em fechar esse estatuto teve que ver com a dificuldade em recrutar gestores para o sector empresarial do estado e para cargos públicos?

não há qualquer dificuldade à volta disso. havia é que garantir realismo nas decisões tomadas. mas esta é apenas uma das matérias. outra teve que ver com o regime geral das nomeações para os lugares do estado e para os institutos públicos. o que significa que há uma preocupação grande em fazer mudanças que não sejam circunstanciais, que possam perdurar para além do governo.