Administração Pública, precisa-se

A experiência tem-nos ensinado que, por vezes, as competências existem e não são aproveitadas.

sempre que se fala em dificuldades financeiras e necessidade de emagrecer a despesa pública, a administração pública aparece como um alvo fácil a abater através de declarações onde, com frequência, se misturam o populismo, o preconceito, a ignorância, a incapacidade para avaliar o conjunto e a falta de sentido estratégico.

na realidade, o que a experiência dos países mais desenvolvidos nos ensina é que não há reformas possíveis no sentido do desenvolvimento económico e social sem uma forte, ajustada e competente administração pública. forte, porque imune aos ciclos político-partidários, ajustada, porque com a dimensão e a cobertura necessária e suficiente à gestão directa e à regulação em função da dimensão do país e das suas idiossincrasias; competente, porque capaz de fazer sobrepor o interesse colectivo ao particular.

para cumprir estes desideratos é necessário ter conhecimentos e experiência, ter ‘mundo’ para que esses conhecimentos não se cinjam à realidade nacional e, sobretudo, saber o que se pretende que o país venha a ser no contexto de globalidade em que hoje vivemos.

infelizmente, nada disto se tem verificado.

as intervenções ditas de ‘reforma’ da administração pública, ao longo dos últimos anos mais não têm sido do que intervenções desestruturadoras, quer directa, quer indirectamente, sem noção do conjunto, sem capacidade de interrelação, sem avaliação de impacto e, sobretudo, sem sentido estratégico.

com efeito, quase não há ministro que inicie funções sem anunciar medidas de reformulação de alto a baixo da respectiva estrutura que é suposto apoiá-lo no seu desempenho, mesmo que isso não seja absolutamente necessário e sem que tenha em atenção as relações da sua área de responsabilidade com as suas confinantes.

e, para além destas realizações directas, há um sem número de outras medidas, das quais as relativas à aposentação serão as mais importantes, cujo impacto desestruturador do equilíbrio sectorial ou geral da administração nunca ou raramente é avaliado.

tudo isto provoca incerteza e insegurança não apenas em relação aos agentes da administração mas, sobretudo, em relação aos administrados, ou seja, o público em geral, que fica frequentemente perdido e incapaz de se orientar numa teia de sucessivas alterações que fazem, muitas vezes, regressar os processos à estaca zero.

outro dos grandes chavões anunciados é a substituição da máquina tradicional pelo outsourcing, em nome da poupança de recursos e da busca da competência. a experiência tem-nos ensinado que, por vezes as competências existem e não são aproveitadas e que, não só não se poupam recursos com a compra de alguns serviços no exterior, como não se controlam os conflitos de interesse, com gravíssimos prejuízos sob várias ópticas.

por sua vez, medidas sincopadas de intervenção no estatuto ou no regime de trabalho da administração pública, mais não têm feito do que retirar coerência ao conjunto e incapacitar a administração que, deixando de ser apta, passa a ser inútil. porventura este o objectivo verdadeiramente pretendido.

mas, regressando ao meu entendimento de que não há progresso num país sem uma administração competente e forte, necessário é que se definam , antes, as áreas prioritárias de intervenção nas quais as competências têm que ser asseguradas e, só depois, colocar ao serviço desse objectivo mobilizador, as intervenções a realizar no estatuto dos trabalhadores públicos e no reapetrechamento da administração com a expertise necessária.

será que o governo tem a noção de que, para cumprir o verdadeiro objectivo do programa de assistência financeira – que será o de nos fazer sair da astenia que nos tem impedido de gerar os recursos de que necessitamos para progredir sustentadamente – precisamos de definir objectivos nacionais mobilizadores que só serão realizáveis com uma administração competente, independente, moderna, mobilizada, estimada, respeitada e agilizadora?

é que os sacrifícios a que somos chamados e que atingem de maneira mais feroz os menos fortes, só serão legítimos se permitirem a construção sólida das bases do futuro e dessas bases terá sempre que fazer parte a excelência da administração pública de um país.