‘A doutrina do choque’

Em 2009, a Universidade Warwick atribuiu o primeiro prémio de Escrita à ensaísta canadiana Naomi Klein.

tratando-se de uma universidade conceituadíssima – figura em lugares cimeiros nos principais rankings de investigação – e da primeira edição desse prémio, é lógico considerar que a escolha do premiada – neste caso, uma premiada – tivesse sido feita de forma ponderada e criteriosa para que não fossem postos em causa, logo no seu inicio, a importância e o prestigio do prémio.

a laureada é jornalista do the globe and mail e muitas das suas reportagens têm vindo a ser distinguidas, mercê da seriedade que marca as investigações que tem protagonizado.

em a doutrina do choque, que tem como subtítulo ‘o auge do capitalismo do desastre’, naomi klein considera que os acontecimentos que mais têm marcado pela negativa a história do final do século xx e do princípio do século xxi – dos desastres naturais às alterações radicais de regimes políticos – produzem os efeitos traumáticos próprios das crises colectivas, criando o ambiente propício para mudanças socioeconómicas radicais.

a tese da autora vai no sentido de estabelecer uma relação entre as experimentações levadas a cabo nos anos 50 com electrochoques e privações sensoriais e as teorias económicas da famosa ‘escola de chicago’, liderada por milton friedman, que aproveitam o choque sentido pelos povos na sequência de desastres de qualquer natureza para aplicar medidas que nunca seriam aceitáveis, pelos mesmos povos, em condições de normalidade.

não posso deixar de pensar nesta obra quando me confronto com os efeitos sociais e económicos desastrosos das políticas de austeridade que bebem a sua fundamentação no pensamento neoconservador e neoliberal dessa escola.

se o sucesso ou o insucesso se prendem pelos resultados, aí estão os indicadores do desemprego, da pobreza, das falências em massa e das desigualdades sociais para nos demonstrarem que o caminho que, teimosamente, tem vindo a ser seguido, corresponde a uma agenda ideológica clara. ela caminha no entanto, claramente, no sentido do desastre, o que não é social nem politicamente sustentável.

com efeito, os números do desemprego do eurostat relativos ao último mês dão a taxa a subir novamente em portugal. não só tem subido muito como tem subido rapidamente, sobretudo entre os jovens.

são cada vez mais dramáticas as histórias de vida que dão conta da descida aos infernos de muitas e muitas famílias e pessoas da classe média. os mais pobres já estão exangues. as redes de suporte já não são suficientes. as falências de empresas multiplicam-se. os impostos aumentaram, mas as receitas fiscais diminuem.

será que já estão a ser preparadas mais medidas de austeridade? os portugueses aguentá-las-iam?

é que as multidões reagem pela submissão, em determinadas condições, mas também reagem pela revolta quando os limites são ultrapassados.

esperemos que a falta de avaliação de impacto que tem presidido a muitas das decisões políticas do governo e a sua submissão acrítica à política exclusivamente monetarista imposta pelo conselho europeu, se confronte com a dura realidade e perceba a indispensabilidade da defesa de uma outra agenda compreensiva que envolva o crescimento económico e o emprego.

*jurista e política