A nova agenda europeia

No início deste ano, tive ocasião de fazer uma intervenção, no âmbito da figura parlamentar da ‘Declaração Política’, em que defendi a indispensabilidade de a União Europeia (EU) fazer uma evolução na ortodoxia do seu pensamento económico.

assumi, então, uma diferença entre os conceitos de ‘rigor’ e ‘austeridade’, considerando que o primeiro é objectivo e o segundo pressupõe uma avaliação moral.

partidária que sou da importância do rigor em várias esferas da nossa vida, naquela que mais se aproxima da situação económico-financeira do país, defendo, naturalmente, a indispensabilidade do rigor e do equilíbrio orçamental, nos parâmetros consensualizados de o serviço da dívida não ser superior à taxa média de crescimento anual do pib do país. mas, para que tal seja possível – sobretudo para uma situação como a nossa com graves, profundos e antigos problemas e desequilíbrios estruturais – o caminho para o conseguir pressupõe o tempo adequado, a sensibilidade indispensável, a solidariedade europeia e medidas que promovam o crescimento ao mesmo tempo que se corrigem as debilidades estruturais.

ao contrário, a austeridade pressupõe uma avaliação moral de comportamentos que, entre países soberanos – e envolvidos num projecto comum, que pretende reforçar o papel da união europeia no contexto da multipolaridade que hoje caracteriza as relações internacionais – não faz sentido, ou melhor, não é aceitável.

daí a indispensabilidade de afirmar a importância do rigor, mas, para que ele seja atingível e, com ele, a nossa capacidade para solver as nossas responsabilidades, a agenda para o crescimento económico e o emprego tem que o acompanhar.

o ps, pela voz do seu secretário-geral, sempre, sempre defendeu isso e, finalmente, é-lhe reconhecida a razão, não apenas internamente – através da votação do acto adicional que propôs ao tratado para a consolidação orçamental – como externamente, através da agenda do conselho europeu desta semana, de cuja discussão constarão propostas de países – de que será expoente a frança com novo presidente a representá-la – propostas essas que pretendem salvaguardar o modelo social europeu, embora reestruturado, e recolocar a europa num projecto de solidariedade entre nações, como consta dos tratados.

é certo que alguns países têm que ‘salvar a face’ e não podem explicitamente assumir que estavam errados. mas as consequências da sua ortodoxia são mensuráveis em números de desemprego e de recessão económica e incomensuráveis em termos de tragédias humanas, e eles sabem-no, embora não possam reconhecê-lo explicitamente como consequência directa das medidas draconianas impostas. os indicadores económicos e sociais demonstram-no. a ocde veio dizê-lo, o fmi já o afirma há bastante tempo, muitos analistas e outras agências o vêm reclamando: a europa deve mudar as suas perspectivas de análise e regressar ao seu projecto originário, pois só este a defende das potenciais consequências trágicas a que a teimosia da constância do erro induziria. a história do início do séc. xx ensina-nos isso.

é preciso, portanto, para além do que pode ser dito, interpretar os sinais enviados por medidas concretas. quem vive no mundo da política sabe-o bem. esses vêm, muito claramente, da alemanha, através dos aumentos salariais históricos, recentemente acordados e que nos impressionam – 6,3% na função pública, 4,3% na metalurgia, com uma inflação prevista de 2,3%. o que é isto senão criação de condições para o aumento da procura interna e abertura de oportunidades de exportação para os outros países, designadamente os da zona euro? ao fim e ao cabo, parte daquilo que o ps português tem vindo a reclamar.

quanto ao resto da agenda, independentemente das palavras ditas, não tenho dúvidas que fará o seu caminho, não só na reformulação dos programas de assistência financeira, como no aprofundamento do modelo de governação económica e política. só um caminho nesse sentido dará a coesão e a coerência necessárias ao projecto europeu para enfrentarmos os contornos do mundo globalizado pelas novas tecnologias, pelas relações económicas mundializadas e pelos movimentos migratórios.

creio que vamos, pois, no bom caminho e, com isso, a ver o tal sinal de esperança que o governo pretendia negar-nos e que a situação real do país, á qual se juntou a força da razão, impuseram.

*jurista e política