foi convidada por paulo portas para ser deputada do cds nas eleições de 2009, precisamente por ter dado nas vistas na campanha contra a despenalização do aborto, em 2007. «tivemos uma boa conversa e ele convidou-me», recorda. mas só se filiou no partido no ano passado.
é deputada, mas não a tempo inteiro. é também directora da unidade de cuidados continuados e paliativos no hospital da luz, em lisboa. apesar de passar muito tempo num ambiente ensombrado pela doença, garante que isso «não é deprimente. vejo antes o meu trabalho como um privilégio. aprendemos a valorizar o detalhe e as coisas boas da vida e a relativizar as menos boas. acho que passamos a apreciar mais a vida». dá exemplo das últimas férias em abril: avistou baleias nos açores, terra pela qual é apaixonada e onde adoraria viver. a experiência mais ‘radical’ foi fazer dog sledding (andar em trenós puxados por cães) em courmayer, nos alpes italianos. «foi uma coisa fantástica. os cães adoram correr!».
isabel, de 51 anos, acha que as técnicas dos cuidados paliativos podem aplicar-se à situação do país. a crise é a doença e portugal o doente. «é preciso ser-se empático, oferecer apoio e não abandonar os doentes e a mensagem tem que ser clara, humanizada e eficaz. um tecnocrata não faz isso. não se pode transmitir ansiedade e insegurança».
pormenor curioso: a médica obriga-se mesmo a ver novelas para saber o nome das personagens principais para ter desbloqueador de conversa com as doentes-mulheres que estão internadas. com os homens, fala de futebol e do seu benfica.
mãe de três rapazes (de 25, 23 e 18 anos), confessa que lá em casa já se começou a discutir a hipótese de os filhos irem para o estrangeiro estudar ou trabalhar. «é uma pena pensar que o país faz um investimento e vai perder pessoas qualificadas. estes jovens são um tesouro do país e têm que ser vistos como tal. e isto não é a versão mãe-galinha a falar!». isabel, por seu lado, licenciou-se pela faculdade de medicina de lisboa. depois disso, fez cursos de especialização em inglaterra e no canadá, onde ainda continua a dar palestras. mas nunca pensou viver fora de portugal.
quando chegou à assembleia, ficou conhecida como ‘a deputada do piercing’. um brinco na narina dá-lhe um ar irreverente e surpreende numa pessoa católica e democrata-cristã. mas essa alcunha já a incomoda. «chateia-me imenso. é profundamente redutor. isto é só um adereço, um pormenor». quando foi eleita deputada os amigos chegaram a perguntar-lhe: «e agora, vais tirar o piercing?».
da janela da sala de convívio, onde se deixa fotografar pelo sol, vê-se o alentejo. disse-o a primeira vez a uma paciente alentejana que se via internada longe de casa e com um prognóstico grave. da janela larga, avista-se, em pleno coração de benfica, uma pequena planície com uma quinta que produz azeite. um pequeno postal rural que quebra o cenário a preto e branco das paredes daquele hospital ainda a cheirar a novo. a vida é feita de contrastes.
helena.pereira@sol.pt e sofia.rainho@sol.pt