CDS muito dividido

Numa semana em que a tensão na maioria atingiu o auge, o Governo tremeu mas não caiu. Portas, afinal, aprova o OE em nome do «dever de responsabilidade», deixando novo capítulo da crise adiado para a Primavera. O rescaldo no Caldas é que não está a ser fácil para Portas.

paulo portas garantiu ontem em comunicado que «o cds votará o oe» porque «portugal não pode ter uma crise política» neste momento. mas os acontecimentos das últimas semanas deixaram os dois partidos perto de um ponto sem retorno – com a confiança mútua quebrada. a sensação de que a ruptura é uma questão de tempo disseminou-se já nos dois partidos.

de uma forma ou de outra, a primavera de 2013 poderá ser decisiva. o cds, que já não acredita nas previsões do ministro das finanças, está expectante em relação aos dados da execução orçamental do primeiro trimestre. e esse será um momento em que vítor gaspar e as suas contas serão postos em xeque. segundo os centristas, nessa altura o país poderá concluir se o ministro tinha razão ou se as suas previsões estavam erradas.

vítor gaspar, por exemplo, é o único que acredita que a recessão do próximo ano se situará apenas em 1%. estudos da universidade católica apontam para uma quebra de 2% no pib, enquanto que o bpi admite 1,5%.

há outro factor determinante a aproximar-se no calendário: em fevereiro, a avaliação da troika terá que se debruçar sobre a evolução da dívida pública (já em 120% do pib, uma linha vermelha) e sobre o prometido regresso aos mercados. se o país falhar, a hipótese de um segundo pacote de resgate ou mesmo de reestruturação da dívida vai pender sobre a coligação como sentença final.

aí, uma crise política já não poderá ser vista como a causa directa para o incumprimento do acordo com a troika. será, antes, a estratégia falhada do próprio ministro das finanças a justificá-lo.

de todo o modo, é certo que os centristas já não acreditam em vítor gaspar. consideram que o oe, tal como está, é incumprível – o que se torna evidente com a ausência de uma só palavra sobre o documento no comunicado de ontem de paulo portas.

mais uma longa semana

mas os centristas não estão sozinhos. manuela ferreira leite defendeu que este oe «não é exequível» e miguel beleza considerou que ainda não será este orçamento que nos vai tirar da crise. a situação é de tal forma grave que até nos círculos mais próximos do presidente já se considera difícil evitar uma crise política nos próximos meses.

os centristas ainda acreditavam, até à última reunião do conselho de ministros na segunda-feira, que para além do recuo no imi, gaspar poderia ceder alguma coisa nos escalões do irs. porém, a reunião foi curta e sem qualquer cedência.

a declaração de gaspar, na conferência de imprensa de segunda-feira, excluindo qualquer margem para alterações ao oe para 2013, incendiou os ânimos. no dia seguinte, a bola de neve cresceu, com gaspar a desafiar os deputados do psd e do cds a apresentar propostas «fundamentadas» para novos cortes na despesa. e avisou que eventuais mudanças ao documento exigirão a anuência da troika – deixando pouco tempo para isso.

mas nessa altura já o caldo estava entornado. joão almeida, porta-voz do cds, escreveu no facebook que «qualquer oe tem margem para ser alterado no parlamento. negá-lo é negar o fundamento do parlamentarismo e do sistema democrático». o deputado adolfo mesquita nunes, coordenador do cds na comissão de orçamento, foi ainda mais duro: «não esperem de mim que aceite que este oe é, tal como está, inalterável». avisos que querem dizer que não estariam dispostos a aceitar o oe a todo o custo.

segundo apurou o sol, há mesmo quem, na bancada do partido, admita sair do parlamento para não votar o oe. um cenário que nuno magalhães, líder parlamentar, terá o papel de evitar. «não conheço ninguém» nessas circunstâncias, diz magalhães.

a maioria dos dirigentes do cds entende que o aumento de impostos em larga escala é uma opção política de gaspar. alegando que, na maratona de 20 horas do conselho de ministros da semana passada, as propostas para o corte de despesa aceites pelo ministro das finanças não serviram para atenuar os impostos, mas antes para «tapar buracos no sector empresarial do estado».

na verdade, a ‘maratona’ serviu para cortar apenas cerca de 300 milhões de euros, um valor sensivelmente igual ao que significaria a baixa em 1% da taxa de irs do escalão inferior – reclamação feita pelo deputado do psd luís menezes, na reunião de terça-feira, na assembleia, tendo gaspar respondido que isso seria muito difícil, por significar 290 milhões de euros.

a fúria do cds acabou por se traduzir num pesado silêncio, que se tornou ensurdecedor à medida que ia irritando os sociais-democratas. o que ficou claro com as notícias dos desabafos de passos de que não admitiria «amuos» que colocassem «em causa a consolidação orçamental». jorge moreira da silva nem disfarçou, quando respondeu aos jornalistas sobre a indefinição do cds: «coloquem essa questão ao cds».

caos no caldas

mas a estratégia de portas começou também a deixar nervosos os próprios centristas. na reunião de segunda-feira houve quem dissesse ao líder que uma hesitação neste momento seria péssima. em público, foi o presidente do conselho nacional, antónio pires de lima, a dizer que «não deve haver uma crise política».

ribeiro e castro, ex-líder, foi o mais duro com portas, acusando mesmo «a direcção do partido de semear notícias que geram perturbação no exercício orçamental» e exigindo uma reunião da comissão política que não foi convocada.

um deputado centrista desabafava também ao sol que a posição equívoca do partido se assemelhava a «uma brincadeira de crianças», que prejudica o partido: «e depois? quem é que vota no cds? e com que líder?».

uma imagem forte do que provocou o novo impasse centrista ficou explícito nas dezenas de comentários que os deputados críticos de gaspar – e a página dos militantes do partido no facebook – receberam depois do ‘sim’ oficial de portas ao oe.

entre os eleitores que desafiavam ao voto contra, os que acusavam o partido de demagogia e os que discutiam uma crise política, escreveu-se tudo: «honrem a vossa palavra, votem contra! não me desiludam mais»; «não vos chegou a lição que levaram nos açores, traidores?»; «é só para ficar bem na fotografia!». houve também vários comentários apagados, por terem conteúdo manifestamente ofensivo.

a pressão sobre portas veio também do sector empresarial. vários gestores vieram a público pedir responsabilidade, considerando que o país não aguenta uma crise política.

na realidade, portas só quebrou o silêncio quatro dias depois de o oe ter sido entregue e fê-lo num comunicado de quatro pontos enviado às redacções às 7h30 de ontem. o líder do cds garantiu no documento que «o grupo parlamentar contribuirá para melhorar aspectos do oe» no parlamento, mas justificando que o «dever de responsabilidade do cds perante o país», num momento em que este «depende de assistência externa», obriga à paz política.

passos só depois falou, para dizer que «o governo não está para cair». e acrescentando: «espero bem que essa discussão deixe de ocupar tanto tempo na política interna».

helena.pereira@sol.pt e sofia.rainho@sol.pt