na passada semana houve greve geral, com desacatos sociais, o desemprego atingiu novos máximos históricos e a actividade económica voltou a cair. o que tem a dizer sobre este portugal?
o direito à greve é essencial e, obviamente, as associações empresariais, como é o caso da acl, não são contra o direito à greve. são contra os abusos do direito à greve. a acl tem, por exemplo, reagido contra a greve nos portos, porque há uma total e absoluta desproporcionalidade e destrói a economia. mas os resultados da economia portuguesa não são nada que me surpreenda. não acreditei que 2012 seria o ano da viragem e acho que 2013 vai ser ainda pior do que este.
porquê?
há os efeitos das medidas do governo, de controlo do défice e aumento da receita fiscal. e a economia europeia está a entrar em crise, sendo que portugal está muito ancorado à europa. por outro lado, há o efeito psicológico. as empresas e os cidadãos investem e consomem mais quando estão convencidos de que o futuro vai ser melhor, e menos quando esperam o contrário. é uma espécie de profecia de si mesmo: enquanto essa euforia durante anos ajudou a crescer a economia, ainda que de forma artificial, agora a depressão ajuda a piorar a economia, também de uma forma artificial.
como é que se consegue sair desta espécie de colete-de-forças?
o estado tem de diminuir o peso na economia, anda a incomodar as empresas todos os dias. mas isto não basta. é necessário também que o tecido social se aguente. e que a economia europeia arranque e aumente o seu próprio processo de integração. além disso, se enquanto povo não trabalharmos e pouparmos mais, nem abdicarmos de direitos e privilégios acumulados ao longo dos tempos, provavelmente não há sucesso.
e se algum desses factores falhar?
será a falência total da economia portuguesa. o desemprego vai atingir graus insuportáveis e a tensão social e a criminalidade vão crescer de forma exponencial.
é uma visão bastante pessimista.
não, não. é uma visão realista. estou, porém, um bocadinho optimista, porque este não é só um problema de portugal: é também da espanha, grécia e itália, e logo, da europa, que vai com certeza encontrar uma solução. a alemanha foi o país que mais beneficiou da união europeia e agora é quem está a perder mais com isso. os efeitos desta crise são terríveis para eles, porque não conseguem exportar, nem suportar a concorrência externa. a força da realidade vai acabar por se impor.
como avalia o governo?
o executivo de passos coelho fez muito mais reformas num ano do que portugal fez em 30. este governo vai ter de levar as medidas até ao fim por causa da troika. a coragem do governo é muito grande – estão a fazer reformas que provavelmente vão levar a perder as eleições – mas ainda assim está a anos luz do que é preciso. a minha convicção é que eu, hoje com 63 anos, já não vou ver o país a funcionar bem.
o que falta fazer?
há toda uma cultura de gastar que tem de acabar. é preciso reduzir os subsídios aos partidos, por exemplo. porque é que só reduziram 10% desde que começou a crise? devem reduzir-se 30%, 40% ou 50%. é simbólico. porque é que há mais de 300 câmaras municipais quando podia haver 150? é preciso unificar ministérios e fazer despedimentos na função pública. e nem sequer é preciso mudar a constituição, embora haja inevitavelmente pilares básicos do sistema político português que vão ter de ser fortemente atingidos: a educação, a saúde e os apoios, onde está concentrada uma parte substancial dos custos do estado.
mas essas são consideradas funções essenciais do estado…
isso não é verdade. as funções essenciais, em termos históricos, são assegurar o funcionamento dos tribunais, portanto dar a justiça, manter a ordem das ruas e proteger as fronteiras das invasões. o estado moderno, e bem, tem outras funções: assegurar um apoio social aos mais desfavorecidos. mas o que temos é um sistema que assegura tudo a todos. se um milionário quiser ir às urgências não paga quase nada.
não estamos a passar para o outro extremo, em que as pessoas pagam demasiados impostos para o retorno líquido que têm do estado?
para o ano eu vou pagar de impostos 54,5% do que ganho, o que é confiscatório. mas o que é que eu posso fazer? se não for assim, se o estado não me tirar este valor, a falência do país é inevitável. é claro que discordo que tenha de se baixar o nível do apoio social e restringi-lo apenas aos mais desfavorecidos, mas não temos outra alternativa. estamos falidos e dependemos da boa vontade dos credores. e podíamos estar falidos e não precisar de dinheiro, se tivéssemos receitas suficientes para pagar as nossas despesas, mas não é o caso. todos os anos precisamos de mais dinheiro do que o valor da nossa dívida.
concorda com a revisão do memorando?
estou certo de que vamos ter mais tempo. deram mais dois anos à grécia, porque é que a nós não vão dar? em 2013, não acredito que portugal consiga ir aos mercados, a não ser com taxas completamente proibitivas. mas para isso temos de cumprir. admito até que se fizermos isso venha mesmo mais dinheiro. e que as taxas de juro sejam revistas.
a reestruturação da dívida faz sentido?
vai acabar por acontecer. nunca conseguiremos pagar a nossa dívida. para isso, precisávamos de crescer cerca de 5% ao ano nos próximos 30 anos. isso é impossível. mas para haver reestruturação é preciso que os credores vejam que as reformas estão mesmo a ser feitas.
há condições para o governo se manter até ao final da legislatura?
depende do presidente de república e da coesão da maioria. não vejo razões para isso não acontecer. eleições antecipadas teriam como resultado um governo mais instável e uma necessidade de colecções difíceis entre o ps e o psd, e o ps não está interessado nisso. o ps quer que o psd beba o cálice até às fezes, para utilizar a imagem evangélica, para depois ganhar as eleições. vejo dificuldades terríveis, mas não vejo nenhuma crise política no horizonte.
‘o capital não aceita desaforos. vai-se embora’
como avalia o que está a ser feito no combate ao branqueamento de capitais e à corrupção?
é uma prioridade. e tem de ser uma luta diária. mas não se tenha ilusões de que se faz de um dia para o outro. e tudo bem que não deve haver branqueamento de capitais em portugal, mas é uma boa ideia afrontar publicamente fortes investidores estrangeiros numa altura em que portugal precisa tanto de capital? li há dias num editorial da revista brasileira veja que o capital não aceita desaforos. a frase é fantástica porque é verdade. o capital foge quando é maltratado.
refere-se ao caso recente dos angolanos?
sim. qual é a vantagem para portugal de se anunciar na primeira página do expresso que se está a investigar das pessoas mais poderosas de angola, sobretudo quando podem nem ser culpadas de coisa nenhuma? não sei se são ou não, mas é legítimo que, de repente, alguém que está a ser investigado já seja dado como culpado, porque a investigação criminal transmite essa informação cá para fora. então e se eu um dia destes fizer uma queixa a dizer que o papa anda a roubar, o ministério público (mp) vai abrir uma investigação só porque eu disse? há uma estratégia por detrás disso.
como assim?
o mp está interessado em mostrar serviço. e esta maneira de passar a informação para os jornais é também um mecanismo para entalar a procuradora que acabou de tomar posse. é preciso criar problemas e dificuldades para ela perceber que o sindicato do mp é muito mais poderoso do que ela alguma vez se calhar imaginou. não é caricato que no sábado saia tudo no expresso e três dias depois haja um comunicado do mp a dizer que há uma investigação? esta leviandade com que em portugal se trata a violação das normas básicas do estado social de direito, como as fugas de informação, deixa-me surpreendido.
tania.ferreira@sol.pt