o calendário está definido pela troika: se a sétima revisão começa apenas no fim de fevereiro, os técnicos da comissão europeia, do bce e do fmi querem analisar as escolhas do governo ainda antes, no início desse mês, para chegarem a lisboa com o trabalho já quase fechado. os vários ministros estão agora a trabalhar as respectivas soluções, para entregar ao ministro das finanças, vítor gaspar, e a carlos moedas, secretário de estado adjunto de passos coelho.
o certo é que a divulgação do relatório do fmi rebentou como uma bomba em portugal – e fez estilhaços na coligação. apanhados desprevenidos pela divulgação do documento, os centristas tiveram indicações expressas para passar uma mensagem: trata-se de um relatório «técnico» e não há decisão política.
mota soares, que tutela a segurança social e é um dos ministros centrais nesta discussão, acrescentou que o texto assenta em «pressupostos errados». e nuno magalhães frisou que o governo terá que decidir o que é «socialmente aceitável e politicamente razoável» – na linha do que dissera paulo portas na noite anterior, em entrevista à sic-notícias (em que referiu ser preciso mais «sensibilidade» na acção, para manter a coesão social).
com as reacções em crescendo contra o governo, passos coelho pediu a carlos moedas que pusesse água na fervura – explicando que o fmi só tinha deixado conselhos e que o relatório final só nessa manhã tinha sido entregue. mas bastou que moedas elogiasse a consistência do documento para que até carlos carreiras, autarca de cascais e presidente do instituto sá carneiro, viesse a público pedir a sua demissão. antónio capucho fez o mesmo.
ontem, segundo apurou o sol, o assunto abriu o conselho de ministros – embora sem portas, nem gaspar, ambos fora do país. mas foi o suficiente para acertar a mensagem que se segue: o governo vai seguir algumas ideias, mas não todas. falta saber quais.
conferência à porta fechada
o próximo passo é agora recolher sugestões da «sociedade civil». sofia galvão, ex-dirigente do psd, organizou uma conferência, que se realiza na terça e quarta-feira, com figuras como guilherme d’oliveira martins, gomes canotilho, vítor bento, augusto mateus, rui_marques e adalberto campos fernandes. será encerrada por passos, mas acompanhada em permanência por moedas. será o único membro do governo presente, para não condicionar o debate. mais: os dois dias de conferência vão ser à porta fechada, precisamente pelo mesmo motivo. a organizadora admite entregar, depois, um documento final ao governo.
até ao final do mês, haverá outro momento semelhante, organização conjunta do banco de portugal e da fundação gulbenkian.
já no plano político, o diálogo afigura-se quase impossível. a direcção do psd delineou uma nova estratégia para tentar envolver os socialistas: na próxima semana, vai sugerir a criação de uma comissão eventual na ar, para centralizar todo o debate, e que funcione para lá de fevereiro, de forma a acolher alternativas.
não é fácil, porém, que o ps aceite participar. seguro já disse: «o governo não tem legitimidade» para fazer estes cortes porque «não estão no programa de governo nem no memorando». os socialistas vão dedicar as suas jornadas parlamentares na próxima semana à defesa do estado social – com a ala esquerda em destaque. e têm prevista uma reunião do gabinete de estudos para debater o tema.
bruxelas estranha
quem evitou a linha de fogo até aqui foi o presidente da república – que só recebeu o relatório do fmi no dia em que este foi revelado pelo jornal de negócios. ao expresso, dias antes, cavaco repetia que o debate se deve fazer «em consenso político e social».
de bruxelas, assinala-se ao sol alguma estranheza face ao conteúdo do relatório. uma fonte adianta que este tipo de documentos resulta sempre de um acordo e negociação com o governo, não percebendo assim as reacções ao documento. prova-o a participação de 11 ministros e cinco secretários de estado – da equipa de gaspar e também do cds.
outra das surpresas, aponta outra fonte, é a violação de alguns pontos do memorando da troika desenhado pelo próprio fmi. por exemplo, o corte permanente de 10% para todas as pensões é contra o memorando, que assegurava que as pensões mais baixas iam ser poupadas a cortes e que os grupos mais desfavorecidos iriam manter o seu rendimento. a mesma fonte questiona a razão por que só agora o fmi se lembrou destas medidas e não há ano e meio.
recorde-se, ainda, que os pressupostos do documento do fmi são semelhantes ao plano de reformulação do estado que vítor gaspar apresentou à troika em setembro – e que lançou as bases da discussão dentro do governo.
david.dinis@sol.pt
helena.pereira@sol.pt
* com luís gonçalves