PSD e CDS têm apenas três semanas para decidir cortes

As alas PSD e CDS do Governo têm apenas três semanas para se entenderem sobre onde cortar quatro mil milhões de euros na despesa do Estado, escolhendo quais das opções sugeridas esta semana pelo FMI vão em frente.

o calendário está definido pela troika: se a sétima revisão começa apenas no fim de fevereiro, os técnicos da comissão europeia, do bce e do fmi querem analisar as escolhas do governo ainda antes, no início desse mês, para chegarem a lisboa com o trabalho já quase fechado. os vários ministros estão agora a trabalhar as respectivas soluções, para entregar ao ministro das finanças, vítor gaspar, e a carlos moedas, secretário de estado adjunto de passos coelho.

o certo é que a divulgação do relatório do fmi rebentou como uma bomba em portugal – e fez estilhaços na coligação. apanhados desprevenidos pela divulgação do documento, os centristas tiveram indicações expressas para passar uma mensagem: trata-se de um relatório «técnico» e não há decisão política.

mota soares, que tutela a segurança social e é um dos ministros centrais nesta discussão, acrescentou que o texto assenta em «pressupostos errados». e nuno magalhães frisou que o governo terá que decidir o que é «socialmente aceitável e politicamente razoável» – na linha do que dissera paulo portas na noite anterior, em entrevista à sic-notícias (em que referiu ser preciso mais «sensibilidade» na acção, para manter a coesão social).

com as reacções em crescendo contra o governo, passos coelho pediu a carlos moedas que pusesse água na fervura – explicando que o fmi só tinha deixado conselhos e que o relatório final só nessa manhã tinha sido entregue. mas bastou que moedas elogiasse a consistência do documento para que até carlos carreiras, autarca de cascais e presidente do instituto sá carneiro, viesse a público pedir a sua demissão. antónio capucho fez o mesmo.

ontem, segundo apurou o sol, o assunto abriu o conselho de ministros – embora sem portas, nem gaspar, ambos fora do país. mas foi o suficiente para acertar a mensagem que se segue: o governo vai seguir algumas ideias, mas não todas. falta saber quais.

conferência à porta fechada

o próximo passo é agora recolher sugestões da «sociedade civil». sofia galvão, ex-dirigente do psd, organizou uma conferência, que se realiza na terça e quarta-feira, com figuras como guilherme d’oliveira martins, gomes canotilho, vítor bento, augusto mateus, rui_marques e adalberto campos fernandes. será encerrada por passos, mas acompanhada em permanência por moedas. será o único membro do governo presente, para não condicionar o debate. mais: os dois dias de conferência vão ser à porta fechada, precisamente pelo mesmo motivo. a organizadora admite entregar, depois, um documento final ao governo.

até ao final do mês, haverá outro momento semelhante, organização conjunta do banco de portugal e da fundação gulbenkian.

já no plano político, o diálogo afigura-se quase impossível. a direcção do psd delineou uma nova estratégia para tentar envolver os socialistas: na próxima semana, vai sugerir a criação de uma comissão eventual na ar, para centralizar todo o debate, e que funcione para lá de fevereiro, de forma a acolher alternativas.

não é fácil, porém, que o ps aceite participar. seguro já disse: «o governo não tem legitimidade» para fazer estes cortes porque «não estão no programa de governo nem no memorando». os socialistas vão dedicar as suas jornadas parlamentares na próxima semana à defesa do estado social – com a ala esquerda em destaque. e têm prevista uma reunião do gabinete de estudos para debater o tema.

bruxelas estranha

quem evitou a linha de fogo até aqui foi o presidente da república – que só recebeu o relatório do fmi no dia em que este foi revelado pelo jornal de negócios. ao expresso, dias antes, cavaco repetia que o debate se deve fazer «em consenso político e social».

de bruxelas, assinala-se ao sol alguma estranheza face ao conteúdo do relatório. uma fonte adianta que este tipo de documentos resulta sempre de um acordo e negociação com o governo, não percebendo assim as reacções ao documento. prova-o a participação de 11 ministros e cinco secretários de estado – da equipa de gaspar e também do cds.

outra das surpresas, aponta outra fonte, é a violação de alguns pontos do memorando da troika desenhado pelo próprio fmi. por exemplo, o corte permanente de 10% para todas as pensões é contra o memorando, que assegurava que as pensões mais baixas iam ser poupadas a cortes e que os grupos mais desfavorecidos iriam manter o seu rendimento. a mesma fonte questiona a razão por que só agora o fmi se lembrou destas medidas e não há ano e meio.

recorde-se, ainda, que os pressupostos do documento do fmi são semelhantes ao plano de reformulação do estado que vítor gaspar apresentou à troika em setembro – e que lançou as bases da discussão dentro do governo.

david.dinis@sol.pt
helena.pereira@sol.pt
* com luís gonçalves