Primavera Árabe: Balanço precário

Após dois anos de Primavera Árabe, democracia e estabilidade permanecem uma miragem no Norte de África.

a história não terminou, e um olhar breve sobre os três países protagonistas da vaga revolucionária árabe de 2011 – tunísia, líbia e egipto – mostra que ainda é incerto o destino dos seus frágeis processos políticos.

no primeiro, berço da contestação popular que naquele ano havia de contagiar boa parte da bacia mediterrânica, os tunisinos voltam a deparar-se com um braço-de-ferro entre os dois blocos que derrubaram o regime de ben ali – os islamistas reunidos em torno do partido ennahda, vencedor incontestado das primeiras eleições livres, e as forças progressistas que formavam a oposição secular à antiga ditadura de tunis. o assassínio, dia 6, do líder esquerdista chokri belaid mergulhou novamente o país no caos.

pelo menos uma pessoa morreu em vários dias de protestos contra o governo liderado pelo ennahda, movimento suspeito de estar por trás da morte do político. hamadi jebali, primeiro-ministro e membro da formação islamista, tenta agora constituir um_executivo inteiramente composto por tecnocratas independentes para responder ao descontentamento popular, mas enfrenta a oposição do seu próprio partido.

na terça-feira, o chefe da diplomacia tunisina rafik abdessalem, cunhado do líder do ennahda rached ghannouchi, admitiu que a formação poderá abandonar o governo. no mesmo dia, porém, o partido convocou para o fim-de-semana uma manifestação de apoio ao movimento islamista.

sindicatos e patronato, assim como os partidos seculares congresso para a república (do presidente moncef marzouki) e ettakol, estão com_jebali, mas é também considerável a base de apoio da ala dura do ennahda. nos últimos dias, e perante o receio de uma nova vaga de crime e anarquia, impõem-se nas ruas tunisinas milícias de jovens salafistas que defendem a aplicação da charia, a lei islâmica.

a nova crise política vem atrasar ainda mais o longo processo de redacção de uma nova constituição, mais de um ano após a eleição da assembleia constituinte. sem o novo documento, não será possível eleger o substituto do actual, desgastado e impopular_executivo interino.

anarquia em trípoli, intolerância no cairo

na vizinha líbia, o segundo aniversário do início do levantamento armado que derrubaria o ditador muammar kadhafi foi assinalado na sexta-feira sob o peso de fortes medidas de segurança. o país encerrou as fronteiras ocidental (com a tunísia) e oriental (com o egipto) perante o receio de uma acção armada contras autoridades de trípoli. nas últimas semanas, movimentos seculares, religiosos, autonomistas, federalistas e até saudosistas do antigo regime convocaram protestos contra um executivo crescentemente acusado de corrupção e de protelar reformas prometidas.

o governo interino continua a lutar pelo efectivo controlo do país. bengazi, a segunda cidade líbia, é hoje um território praticamente independente sob gestão de uma miríade de milícias armadas com o arsenal herdado de kadhafi. é também, desde janeiro zona interdita a ocidentais por recomendação dos executivos europeus e norte-americano. várias companhias aéreas internacionais suspenderam os voos para a líbia por razões de segurança.

esta semana, num encontro em paris com representantes de países aliados, o governo líbio solicitou ajuda financeira e operacional para proteger as fronteiras, integrar milicianos nas forças armadas nacionais e controlar um fluxo de armas e combatentes que alimenta grupos extremistas em todo o sahel, nomeadamente o mali, e o médio_oriente.

no egipto, prossegue a competição entre religiosos conservadores e opositores seculares pelo controlo das ruas. a repressão policial aumentou após semanas de violência em que política, futebol e regionalismos exacerbados vitimaram dezenas de pessoas. depois da circulação de um vídeo que revelou mais um caso de tortura às mãos das autoridades, o site youtube foi barrado pela justiça do cairo.
mantém-se também a exigência de demissão do governo da irmandade muçulmana de mohamed morsi por parte da frente de salvação nacional de mohamed elbaradei, amr moussa e hamdeen sabahi, entretanto ameaçados de morte pelo clérigo salafista mahmoud_shaaban.

pedro.guerreiro@sol.pt