Chávez deixa Venezuela em aberto

A Venezuela vive hoje o terceiro de 14 dias de luto nacional pela morte do Presidente Hugo Chávez – na terça-feira, aos 58 anos, vítima de cancro – e o enésimo de uma luta pelo poder que começou na verdade há dois anos, com a notícia da doença do chefe de Estado. O país deverá…

os primeiros dias pós-chávez foram marcados por uma aparente unidade do universo chavista e das forças armadas venezuelanas. as cerimónias fúnebres, iniciadas na quarta-feira com um impressionante desfile multitudinário pelas ruas de caracas, prosseguiram com um velório na academia militar. de hora a hora, em todo o país, e até ao enterro de chávez, foram disparadas salvas de 21 tiros.

no entanto, foi da ala civil do regime que surgiu a principal manifestação de poder. nicolás maduro, vice-presidente mandatado pelo próprio chávez para concorrer a novas eleições em caso do falecimento do chefe de estado, assumiu interinamente a presidência apesar de a constituição prever que a função seja exercida por diosdado cabello, presidente da assembleia nacional e antigo oficial das forças armadas.

um eventual duelo palaciano entre maduro e cabello, apesar de veementemente negado, é explorado pelos opositores do regime, que associam o primeiro a uma ala marxista radical do chavismo e o militar a uma corrente socialista moderada.

fora maduro a anunciar a morte de chávez, na terça-feira, na televisão nacional. o chefe de estado terá falecido cerca das 16h, vítima de um ataque cardíaco. oficialmente, e apesar das dúvidas levantadas pela oposição, o presidente terá regressado de cuba a 18 de fevereiro, após a quarta cirurgia relacionada com o cancro pélvico que batalhava desde 2011 e uma infecção pós-operatória. já em caracas, no hospital militar onde esteve internado, terá contraído uma nova infecção respiratória. «não quero morrer. por favor, não me deixem morrer», terão sido as últimas palavras murmuradas pelo líder. «viveremos e venceremos», foram as últimas publicamente divulgadas na conta do presidente na rede social twitter.

conspiração americana

as horas que antecederam o anúncio foram marcadas por um violento ataque de caracas contra washington, com a expulsão de dois diplomatas norte-americanos e a acusação de um possível envolvimento dos estados unidos na doença e morte de chávez. maduro falou em «provas circunstanciais» a serem analisadas por uma «comissão especial», enquanto outros membros do regime sugeriram mesmo o uso de «armas biológicas».

a casa branca negou a alegação quase de imediato e o presidente norte-americano barack obama, sem expressar condolências, garantiu o apoio de washington a uma venezuela «democrática e comprometida com o estado de direito».

os tributos a chávez, uns meramente diplomáticos, outros mais sentidos, chegaram de todo o mundo. hoje, dezenas de chefes de estado estão presentes no funeral do líder socialista. o ministro português dos negócios estrangeiros, paulo portas, representa lisboa.

em portugal, chávez foi recordado pelo ex-primeiro-ministro_josé sócrates como um «presidente carismático» de «vida plena, enérgica e generosa» e como um «homem bom» pelo antigo presidente mário soares. belém enviou «sentidas condolências» à venezuela.

campanha enlutada

o país segue agora para novas eleições, ainda por marcar, e o conservador capriles, governador do estado de miranda, terá a segunda oportunidade em meio ano para encabeçar o centro-direita na ida às urnas. fontes citadas pela reuters adiantam que a frente unida da oposição não irá desencadear um novo processo de primárias, repetindo a aposta no político de 40 anos.

em outubro, frente a chávez, capriles obteve 44% dos votos. agora, a dúvida é se será prejudicado por um voto de simpatia dos venezuelanos no candidato chavista. se as eleições regionais de dezembro forem um indicador, as perspectivas da oposição venezuelana são negativas: os candidatos do regime venceram em 20 dos 23 estados, mais dois que em 2008.

a direita vê-se ainda constrangida pelo ambiente geral de luto que reina no país, e que dificultará os ataques ao regime.

maduro, por seu turno, e prometendo manter o legado «revolucionário, anti-imperialista e socialista» de chávez, já demonstrou que fará uma campanha agressiva contra capriles. no sábado, ainda antes do anúncio da morte do chefe de estado, o vice declarou na televisão nacional que o rival estava naquele preciso momento em nova iorque, lançando suspeitas sobre uma relação privilegiada com o governo norte-americano.

«sei exactamente onde está, em manhattan», referindo-se a uma apartamento na rua 58: «com que dinheiro terá comprado o apartamento?».

pedro.guerreiro@sol.pt