Drones: Videojogos de guerra

Um dia será possível ir à guerra das 9h às 17h, voltar a casa e passar o serão com a família, sem sequer sair do país. E, durante o horário de expediente, terão sido bombardeados alvos no outro lado do mundo, ou eliminados suspeitos de terrorismo – sem correr qualquer risco. Fechado numa sala, em…

‘um dia’ é hoje, e o cenário descrito não é matéria de ficção científica. a cortina de secretismo em torno do programa norte-americano de drones (‘abelhões’ em inglês, termo pelo qual são popularmente conhecidas as aeronaves de combate não tripuladas nos estados unidos) vai caindo a pouco e pouco. esta nova dimensão da guerra foi herdada de george w. bush e sofreu um impulso determinante com o actual presidente norte-americano barack obama. se antes os eua podiam acompanhar em tempo real as movimentações dos seus inimigos, agora podem eliminar estes com um clique no botão. mustafa abu al-yazid, abu yahya al-libi, atiyah abd al-rahman e anwar al-awlaki, o terrorista nascido em solo americano, são algumas das figuras de topo da al-qaeda já eliminadas por drones.

mas o sucesso não traz consenso. no afeganistão, no paquistão, no iémen, na somália ou no sul rebelde das filipinas, com ou sem o consentimento dos países sobrevoados ou bombardeados, pelo menos 4.700 pessoas foram mortas nos últimos anos pelo fogo destes aviões de controlo remoto. o número foi revelado em fevereiro pelo senador republicano lindsey graham e é o primeiro balanço de vítimas oficial do programa norte-americano de drones. num encontro na carolina do sul, o político admitiu que, «por vezes, há pessoas inocentes que são atingidas», mas defendeu a eficácia da tecnologia.

outros colocam-na em causa e também se socorrem dos números. um relatório conjunto da universidade de stanford e da universidade de nova iorque indica que apenas 2% das vítimas de drones serão líderes de organizações terroristas (o alvo-tipo frequentemente referenciado pelo pentágono e pela casa branca). o paquistão, frágil aliado de conveniência na luta dos eua contra o terrorismo islâmico, estima que 80% das vítimas são civis. naquele país, o sucessivo bombardeamento de aldeias por drones está a fazer crescer o anti-americanismo.

as nações unidas, através do seu conselho de direitos humanos, preparam mesmo uma investigação internacional à longa lista de execuções extrajudiciais ordenadas pelo controverso prémio nobel da paz de 2009. antes de mais, para perceber a extensão das acções norte-americanas. além do mais conhecido programa de drones, o que tem como alvo a al-qaeda e os talibãs no afeganistão e no paquistão, há pelo menos outros dois programas em actividade, um deles directamente dirigido pela cia, e um quarto a nascer que terá como alvo grupos islamistas no sahel africano. no parlamento europeu, um grupo de deputados que inclui o português rui tavares propõe uma moratória contra o uso desta tecnologia militar.

teme-se que a administração obama, perante a suspeita de actividade terrorista, esteja a preferir o uso de drones para suprimir a ameaça aos processos em tribunal. a casa branca substituiu a prisão de guantánamo pela «diluição da fronteira entre guerra e assassínio», escreveu recentemente no financial times o colunista gideon rachman. aliás, ao terceiro ano de mandato, obama já tinha ordenado a morte de mais suspeitos de terrorismo do que aqueles que alguma vez passaram pela prisão militar de cuba. por outro lado, a violação do espaço aéreo de inúmeros países poderá sair diplomaticamente cara a washington.

o pesadelo de tesla

se o sonho humano de voar é intemporal, a ideia de uma aeronave automática é tão antiga quanto a própria aviação. no século iv antes de cristo, o grego arquitas de tarento terá construído um engenho de madeira de propulsão a vapor que voou 200 metros. já no início ?do século passado, o inventor sérvio nikola tesla, injustiçado pioneiro da electricidade, declarou que as guerras do futuro poderiam ser travadas por aeronaves automatizadas.

a segunda guerra mundial, a guerra do vietname e os vários conflitos entre israel e o mundo árabe foram palco de experiências que viriam a evoluir para o drone moderno: um avião pilotado à distância, com um sofisticado sistema de navegação e vigilância e a possibilidade de bombardear alvos.

os mais de 10 mil drones que estão hoje ao serviço dos estados unidos surgem em várias formas e têm diferentes usos. o mais utilizado cabe dentro de uma mochila, tem de ser lançado à mão como um avião de papel, mas é um dispositivo de vigilância fundamental em cenários de combate urbano – o raven, que com apenas dois quilos tem uma autonomia de voo de mais de uma hora e foi uma das estrelas da última guerra do iraque. o predator e o seu sucessor, o reaper, têm o tamanho de um caça e serão actualmente os principais responsáveis pela mortandade que demoliu boa parte da rede terrorista fundada pela al-qaeda. o gigantesco global hawk, que tal como o raven não dispõe de armamento, é um espião voador capaz de permanecer um dia e meio no ar a fazer um levantamento a fundo do teatro de operações.

além dos eua, pelo menos 50 países utilizam hoje drones. a maioria são nações aliadas de washington, mas outras como a china e o irão já fabricam as suas próprias versões de aviões de combate não tripulados.

os pilotos, inicialmente resistentes à ideia de estarem ausentes do cockpit, estão a abraçar a mudança e há já academias de voo particulares a dar formação sobre aeronaves não tripuladas. nos eua, e segundo o new york times, dentro de um ano o número de militares ao comando de drones poderá ser superior aos que pilotam no ar. os benefícios são óbvios, com um menor risco de segurança para os envolvidos e menores custos financeiros para o pentágono. para conferir maior dignidade ao que antes era comparado a um mero videojogo, os eua ponderam já a criação de uma medalha de bravura para os mais eficazes pilotos de drones.

pedro.guerreiro@sol.pt