As duas faces de Obama

Há cinco anos, Barack Obama estava fora do sistema mas dentro dos corações alemães. Em 2008, durante a campanha para as presidenciais norte-americanas, o candidato democrata viu negada pela chanceler alemã Angela Merkel a pretensão de discursar frente à Porta de Brandemburgo. Trocando o local histórico por uma praça no bairro do Tiergarten, Obama acabaria…

esta semana, 50 anos após o histórico “ich bin ein berliner” (eu sou um berlinense) de john kennedy, obama reencontrou a capital alemã sob uma atmosfera diferente. desta vez, o agora presidente norte-americano pôde discursar na porta de brandemburgo – mas atrás de um vidro à prova de bala e em frente a pouco mais de 5.000 pessoas.

voltou a falar da paz mundial, da meta de redução em um terço do arsenal nuclear norte-americano e russo, do combate às alterações climáticas – “a grande ameaça global da nossa era” – através de uma maior aposta nas energias renováveis e em automóveis mais eficientes. mas passou boa parte da visita à alemanha a tentar justificar o polémico legado securitário de cinco anos na casa branca: a manutenção da prisão de guantánamo, o uso de aviação não tripulada (drones) na eliminação de suspeitos de terrorismo e o recentemente revelado prism, um sistema de cibervigilância que afecta a privacidade de grande parte da população mundial.

com o prism a causar indignação no velho continente e a dominar as conversas mantidas com merkel, obama reafirmou que os serviços secretos norte-americanos não leram mensagens privadas nem escutaram telefonemas sem a validação prévia de um juiz, e declarou que o sistema permitiu evitar inúmeros atentados, incluindo na alemanha. mas a chanceler – que foi ridicularizada por afirmar junto de obama que a internet é “território virgem” – pediu mais esclarecimentos de washington.

o caso revelado pelo the guardian continua a degradar as relações da casa branca com os principais aliados. edward snowden, o antigo técnico da nsa que expôs o escândalo e que poderá estar a preparar um pedido de asilo à islândia, promete novas revelações para os próximos dias. e sobre guantánamo, obama reiterou a intenção de fechar a prisão e justificou o atraso com obstáculos políticos domésticos.

vários protestos pacifistas marcaram a visita do presidente dos eua, com alguns manifestantes a empunharem cartazes a satirizar slogans de obama – o yes we can (sim, nós podemos) passou a yes we scan (sim, nós vigiamos) – e de martin luther king – o i have a dream (eu tenho um sonho) substituído por i have a drone (eu tenho um drone).

conselhos para os europeus

depois de um primeiro mandato dedicado na frente externa a uma aposta económica e militar na ásia-pacífico, obama indicia agora uma reaproximação aos velhos aliados europeus, em parte devido à pouco entusiasmada receptividade das potências emergentes asiáticas em relação aos planos de washington. além da negociação de um acordo de comércio livre com a união europeia, os eua tentam influenciar a política económica do velho continente, com obama a pedir uma reponderação da receita de austeridade imposta pela alemanha em relação à crise do euro.

“temos de ter a certeza que no cumprimento das políticas de longo termo – sejam estas de consolidação fiscal, a reforma de um mercado laboral rígido ou das pensões – não perdemos de vista o principal objectivo, que é o de melhorar as condições de vida das pessoas”, disse em berlim.

obama pediu ainda uma maior aposta no combate ao desemprego juvenil. “temos de modelar a nossa estratégia para garantirmos que não estamos a perder toda uma geração que poderá nunca recuperar em termos da construção de uma carreira”, defendeu.

após ter ouvido merkel afirmar que a alemanha não prossegue “políticas que prejudiquem os outros países europeus”, pois “tal prejudicaria” os próprios germânicos, obama admitiu não ter também “uma receita perfeita” para a crise europeia.

pedro.guerreiro@sol.pt