em que situação a comunicação ao país do presidente da república deixou o primeiro-ministro?
o primeiro-ministro e o governo ficam numa situação complicada. o presidente não disse explicitamente se aceitava ou não a remodelação. um governo em plenitude de funções – como o presidente disse que este está – tem direito a propor uma remodelação. se o governo está em plenitude de funções, o presidente não tem o direito de a recusar. ou, se recusa, deve demitir o governo. não consigo ler a constituição de outra maneira. o que o presidente fez quarta-feira configura uma alteração ao funcionamento do nosso sistema de governo. a partir daqui, os chefes de estado passam a poder recusar as nomeações de membros do governo.
não acredita na solução que cavaco propôs de um acordo de salvação nacional entre psd, ps e cds?
se o presidente tivesse dito ‘eu quero esta solução, vamos trabalhar para ela e ela tem de entrar em vigor imediatamente’, não me veria com a mesma estupefacção. se tivesse dito ‘eu não aceito mais nada, só admito um acordo a três, se não for isto, eu convoco eleições’ estava a ser claro. ora, o que disse não é claro. é tudo menos claro. agora vamos ter as negociações, que todos sabemos que é para fazer a vontade ao presidente, mas poucos de nós estão convencidos que, com as actuais lideranças, vá resultar em algo de palpável. o país está com a cara que nós estamos: estupefacto. está absolutamente estupefacto. alguém acredita que passos, portas e seguro façam um acordo que viabilize medidas de governo até junho de 2014? se alguém fosse ao cinema ver um filme destes, diria que é um filme de ficção – para maiores de 12, 16 ou 18, depende. se fosse possível, era bom, mas não era feito assim. eu fui educado no ‘sá-carneirismo’, que tem uma regra básica: coisas claras, nada de águas pantanosas ou turvas. a clarificação exigiria isto: ‘ou há um governo com toda a força do mundo ou eu tenho um governo para propor aos partidos. se não há uma coisa nem outra, vamos para eleições’. isto eu perceberia, aplaudiria e ficaria contentíssimo. o que eu vi quarta-feira…
… foi o pântano, as águas pantanosas?
estamos em águas muito pantanosas, estamos. são águas pouco claras. nenhum de nós sabe o que aí vem e temos muitas dúvidas de que o que foi dito seja possível. depois há aquela figura extraordinária de um pró-cônsul, alguém nomeado pelo presidente, um núncio, para ir promover o entendimento entre os partidos. mas quem e como? isso é função do presidente.
na prática, o que o presidente está a dizer, ao indigitar um pró-cônsul, é que tem uma hipótese alternativa de governo e de primeiro-ministro. a política é o que é. não vale a pena inventar novos códigos. o presidente quer um outro governo, a que não quer chamar de iniciativa presidencial, mas uma solução de responsabilidade ou de promoção presidencial. o presidente diz que não convoca eleições porque os partidos estão tão crispados que não podem entender-se, mas daí a três minutos diz que a sua solução é os partidos entenderem-se para viabilizarem um governo. como é que uma coisa joga com a outra?
a fundamentação para não convocar eleições inviabilizaria a proposta que é apresentada. mas acho que percebo o objectivo: o presidente quer uma solução promovida por ele. mas é preciso falar verdade e falar claro, senão vai gerar muita confusão no país.
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